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O sonho do curitibano

De volta para o futuro

26% dos moradores não veem mais nada de bom que diferencie Curitiba das demais cidades. E quem identifica algo cita inovações do passado. Resgatar a criatividade será desafio do prefeito eleito

Vista noturna da Linha Verde, com estação-tubo e canaleta exclusiva para ônibus: soluções criativas de décadas passadas continuam sendo usadas, mas sem que algo novo seja proposto | Albari Rosa/Gazeta do  Povo
Vista noturna da Linha Verde, com estação-tubo e canaleta exclusiva para ônibus: soluções criativas de décadas passadas continuam sendo usadas, mas sem que algo novo seja proposto (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)
Ricardo Dória: sucesso criativo ao reunir profissionais de diferentes formações sob um mesmo

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Ricardo Dória: sucesso criativo ao reunir profissionais de diferentes formações sob um mesmo

Curitiba acostumou-se a ser cenário de projetos urbanísticos que lhe deram notoriedade nacional e internacional. A cidade planejada nas pranchetas saiu do papel e ganhou o mundo com ideias simples e inovadoras: o calçadão da Rua XV de Novembro, a coleta seletiva do lixo, o uso de parques para conter enchentes, as canaletas exclusivas para os ônibus, as estações-tubo, o sistema integrado de transporte coletivo.

Esse ciclo virtuoso de soluções de vanguarda criava um sentimento de orgulho no curitibano, presente até hoje. Mas há sinais de que a antiga criatividade, que colocava Curitiba sempre à frente de seu tempo, está se perdendo. Resgatá-la será um desafio para o futuro prefeito.

Uma enquete do Instituto Paraná Pesquisas, feita a pedido da Gazeta do Povo com 410 moradores de todas as regiões de Curitiba, revela que um quarto dos curitibanos não consegue identificar nada de bom que a capital paranaense tenha de diferente em relação a outras cidades. Ou seja, não enxerga mais Curitiba como uma cidade criativa.

Os três quartos restantes reconhecem aspectos que diferenciam Curitiba de outros municípios. Grande parte das características vistas pelos moradores como exclusivas da capital do estado está ligada a inovações urbanísticas que fizeram a fama da cidade, como o sistema de transporte coletivo e os parques (veja infográfico). Mas são principalmente projetos de décadas passadas. Nada de mais recente teve alguma relevância nos resultados da enquete.

A nostalgia do futurismo já se expressa quando os curitibanos são convidados a dizer qual é seu maior sonho para a cidade: 3,2% disseram na enquete que desejam uma cidade mais inovadora. É um porcentual pequeno. Ainda assim, é o sexto sonho mais citado.

O coordenador do Dou­­torado de Gestão Urbana da PUCPR, Fábio Duarte, avalia que Curitiba de fato perdeu a capacidade de inovar na área urbana. Para ele, isso decorre das escolhas políticas das administrações mais recentes.

Duarte diz que a aposta em grandes obras – que exigem muito esforço político e financeiro – tem sido equivocada. Segundo ele, o que agradava a população eram, em geral, os pequenos projetos e intervenções que garantiam o bem-estar da comunidade. "Não era o maior aeroporto ou uma grande rede de metrô. O que deixava as pessoas orgulhosas eram as calçadas bem cuidadas, o investimento em parques, a coleta seletiva do lixo."

Mas nos últimos anos, diz Duarte, a prefeitura tem optado por grandes projetos, como o viaduto estaiado sobre a Avenida das Torres (ao custo de R$ 84,5 milhões) e o metrô, uma obra de R$ 2,3 bilhões (dos quais R$ 450 milhões do município e o restante do estado e da União).

Para ele, a "megalomania" das grandes obras contraria a vocação da capital. "Não podemos competir com Dubai; precisamos voltar a ser Curitiba", afirma o professor, fazendo referência à cidade do Golfo Pérsico famosa pelas obras faraônicas e luxuosas.

Mas, nesse sentido, um dado da enquete mostra que a ideia de grandeza já começa a seduzir os moradores da capital. O metrô é a segunda maior "inveja" que os entrevistados tem de algo que outras cidades possuem (teve 8% de citações, atrás apenas de um irrealizável desejo de ver Curitiba ser banhada pelo mar, com 9%).

Coragem

O arquiteto Irã Dudeque, professor da PUCPR, observa que a coragem administrativa foi fundamental para que Curitiba inovasse. A opção preferencial pelo transporte coletivo, em uma época (década de 70) na qual o automóvel começava a ser privilegiado no planejamento, foi uma atitude corajosa, diz ele. Coragem que reapareceu em outros momentos como no fechamento da Rua XV para os carros. Mas que está ficando cada vez mais rara à medida que os gestores curitibanos não querem arcar com os custos políticos das decisões de longo prazo.

Reunir jovens talentosos é aposta que pode dar certo

Assim que saiu da faculdade de Publicidade, Ricardo Dória conseguiu o trabalho que queria numa grande agência de propaganda. Parecia o melhor dos mundos. Mas o emprego não era o que imaginou. Tentou a sorte como freelancer. A liberdade esbarrou em outro problema: como desenvolver projetos sem a infraestrutura de uma empresa?

Com esse dilema, e muitas ideias na cabeça, Dória criou há dois anos a Aldeia, um empreendimento baseado no conceito de coworking – gente de diferentes áreas trabalhando junto. Em um grande vão em desuso numa das galerias do Centro de Curitiba, ele instalou um espaço de uso compartilhado: escritórios, salas de reunião, espaço para treinamentos e para assessorias.

Orgulhoso, Dória hoje comemora o sucesso: unindo pessoas de formações diferentes, as ideias estão saindo do papel. São iniciativas inovadoras. Eles se mobilizam, por exemplo, para propor projetos de lei de iniciativa popular à Câmara Municipal – algo que exige 65 mil assinaturas. Também são responsáveis pela Grande Escola, projeto que se ocupa de ensinar a quem queira aquilo que, embora seja fundamental, não se aprende nos colégios convencionais – como usar a internet e cozinhar.

Diante dos bons resultados, Dória se arrisca a dar um palpite de como uma cidade pode se reinventar: "As pessoas estão rodando um software novo num hardware antigo. Tem muito espaço para inovação fora das estruturas políticas e sociais tradicionais".

O publicitário Elói Zanetti, que coordena um projeto para estimular a criatividade na capital, diz que a chance de Curitiba para voltar a inovar está em apostar nesses jovens empreendedores e nos artistas da cidade. "O momento de inovação do urbanismo decorreu de circunstâncias políticas e históricas", diz Zanetti. Segundo ele, Curitiba conseguiu juntar um grupo de urbanistas inovadores que funcionou. "Durou uns 30 anos e feneceu", lamenta ele.

Mas Zanetti acredita que a reunião de talentos pode dar certo de novo. E diz que há grupos de jovens com potencial para mudar de novo a cara da cidade. "A grande chance da criatividade em Curitiba é essa nova geração. Tem muita gente fazendo coisa boa. Falta o poder público agregá-las."

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