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Vista noturna da Linha Verde, com estação-tubo e canaleta exclusiva para ônibus: soluções criativas de décadas passadas continuam sendo usadas, mas sem que algo novo seja proposto | Albari Rosa/Gazeta do  Povo
Vista noturna da Linha Verde, com estação-tubo e canaleta exclusiva para ônibus: soluções criativas de décadas passadas continuam sendo usadas, mas sem que algo novo seja proposto| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Memória urbana

Planejar sem esquecer o passado é a chave do sucesso de Curitiba

Curitiba nunca teve a relevância econômica de São Paulo. Tampouco a importância política de Brasília. Ou a história, beleza cênica e expressão cultural do Rio de Janeiro. Mas, ainda assim, passou a ser respeitada e admirada. Para o arquiteto Irã Dudeque, professor da PUCPR, isso tem uma explicação simples: "Foi o planejamento".

Desde a década de 40 do século passado, Curitiba começou a pensar no futuro. O pioneiro Plano Agache, de 1943, não chegou a ser integralmente implantado pela prefeitura. Mas deixou marcas na cidade, como os traçados das avenidas Visconde de Guarapuava, Sete de Setembro e Marechal Floriano; além de "reservar" espaços para o Mercado Municipal, o Centro Cívico e o Centro Politécnico. O Plano Agache legou ainda a ideia de que é preciso ordenar a cidade para as gerações que virão. Uma semente que germinou em 1965, quando foi concebido um novo Plano Diretor para nortear o crescimento urbano no longo prazo.

Mas outras cidades também haviam colocado no papel suas diretrizes de organização sem que as efetivassem. Foi nisso que Curitiba se diferenciou. A capital paranaense pôs aquele planejamento em funcionamento, mantendo-o até os dias atuais com as devidas adaptações.

O arquiteto Jorge Wilheim, um dos pais daquele plano, conta em artigo no seu site (www.jorgewilheim.com.br) que a tarefa de dar vida àquele planejamento coube a um grupo técnico de acompanhamento. Segundo ele, um fator importante para o sucesso do novo ordenamento foi manter esses técnicos em um núcleo permanente de planejamento, capaz de "ler" a cidade, detectar seus problemas e propor mudanças. O núcleo foi batizado com o nome de Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) – a "Sorbonne do Juvevê", apelido dado pelo jornalista Luiz Geraldo Mazza.

Lubomir Ficinski, arquiteto que integrou a primeira equipe do Ippuc, lembra que o grande mérito do planejamento curitibano foi inovar sem esquecer a história da cidade, sem pensar em refazer tudo. "Ser moderno não é renegar o passado", diz ele, num alerta aos futuros prefeitos. "Em Curitiba foi feito o novo, mas lastreado no que estava escrito na memória da cidade e numa série de projetos anteriores que a olhavam como um todo."

Ideias para uma Curitiba melhor

Confira algumas ideias para que a prefeitura de Curitiba seja mais inovadora, estimule a criatividade dos moradores e aproveite esse potencial criativo para resolver os problemas da cidade:

• Repensar o Plano Diretor para as próximas décadas. Um ponto importante a ser avaliado é a integração do planejamento de Curitiba com o ordenamento urbano dos municípios metropolitanos.

• Revalorizar o Ippuc, ampliando sua estrutura se necessário e atraindo novos talentos.

• Resgatar o enfoque do planejamento a partir de soluções simples e baratas para os pequenos problemas cotidianos. Projetos caros devem ser vistos como última alternativa.

• Promover rotineiramente congressos para discutir a cidade com especialistas do país e do exterior.

• Aproveitar o potencial oferecido pela internet e pela nova cultura colaborativa para desafiar os cidadãos a discutirem a cidade e a proporem soluções para os problemas de Curitiba. Isso pode ser feito por meio de um portal da prefeitura mais interativo e que também ofereça mais dados públicos para os cidadãos. Propostas viáveis apresentadas pelos moradores poderão ser implantadas.

• Utilizar o potencial de mobilidade das novas tecnologias a favor do planejamento e para prestar serviços ao cidadão. Um exemplo: desenvolver aplicativo para celular que mostre, com dados da central de tráfego, como o trânsito está em tempo real, permitindo ainda que os motoristas possam interagir, informando acidentes e pontos de congestionamento. A prefeitura ainda poderia ofertar uma central on-line na qual pessoas previamente cadastradas poderiam se encontrar para ofertar e receber carona.

• Lançar concursos para que técnicos de fora dos quadros do município apresentem alternativas para os desafios da cidade.

• Facilitar, por meio de incentivos fiscais e parcerias, o desenvolvimento de empreendimentos que privilegiem a inovação.

• Estimular os empreendimentos e iniciativas culturais, apostando que é na reunião de talentos criativos que surgem ideias potencialmente inovadoras.

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  • Ricardo Dória: sucesso criativo ao reunir profissionais de diferentes formações sob um mesmo

Curitiba acostumou-se a ser cenário de projetos urbanísticos que lhe deram notoriedade nacional e internacional. A cidade planejada nas pranchetas saiu do papel e ganhou o mundo com ideias simples e inovadoras: o calçadão da Rua XV de Novembro, a coleta seletiva do lixo, o uso de parques para conter enchentes, as canaletas exclusivas para os ônibus, as estações-tubo, o sistema integrado de transporte coletivo.

Esse ciclo virtuoso de soluções de vanguarda criava um sentimento de orgulho no curitibano, presente até hoje. Mas há sinais de que a antiga criatividade, que colocava Curitiba sempre à frente de seu tempo, está se perdendo. Resgatá-la será um desafio para o futuro prefeito.

Uma enquete do Instituto Paraná Pesquisas, feita a pedido da Gazeta do Povo com 410 moradores de todas as regiões de Curitiba, revela que um quarto dos curitibanos não consegue identificar nada de bom que a capital paranaense tenha de diferente em relação a outras cidades. Ou seja, não enxerga mais Curitiba como uma cidade criativa.

Os três quartos restantes reconhecem aspectos que diferenciam Curitiba de outros municípios. Grande parte das características vistas pelos moradores como exclusivas da capital do estado está ligada a inovações urbanísticas que fizeram a fama da cidade, como o sistema de transporte coletivo e os parques (veja infográfico). Mas são principalmente projetos de décadas passadas. Nada de mais recente teve alguma relevância nos resultados da enquete.

A nostalgia do futurismo já se expressa quando os curitibanos são convidados a dizer qual é seu maior sonho para a cidade: 3,2% disseram na enquete que desejam uma cidade mais inovadora. É um porcentual pequeno. Ainda assim, é o sexto sonho mais citado.

O coordenador do Dou­­torado de Gestão Urbana da PUCPR, Fábio Duarte, avalia que Curitiba de fato perdeu a capacidade de inovar na área urbana. Para ele, isso decorre das escolhas políticas das administrações mais recentes.

Duarte diz que a aposta em grandes obras – que exigem muito esforço político e financeiro – tem sido equivocada. Segundo ele, o que agradava a população eram, em geral, os pequenos projetos e intervenções que garantiam o bem-estar da comunidade. "Não era o maior aeroporto ou uma grande rede de metrô. O que deixava as pessoas orgulhosas eram as calçadas bem cuidadas, o investimento em parques, a coleta seletiva do lixo."

Mas nos últimos anos, diz Duarte, a prefeitura tem optado por grandes projetos, como o viaduto estaiado sobre a Avenida das Torres (ao custo de R$ 84,5 milhões) e o metrô, uma obra de R$ 2,3 bilhões (dos quais R$ 450 milhões do município e o restante do estado e da União).

Para ele, a "megalomania" das grandes obras contraria a vocação da capital. "Não podemos competir com Dubai; precisamos voltar a ser Curitiba", afirma o professor, fazendo referência à cidade do Golfo Pérsico famosa pelas obras faraônicas e luxuosas.

Mas, nesse sentido, um dado da enquete mostra que a ideia de grandeza já começa a seduzir os moradores da capital. O metrô é a segunda maior "inveja" que os entrevistados tem de algo que outras cidades possuem (teve 8% de citações, atrás apenas de um irrealizável desejo de ver Curitiba ser banhada pelo mar, com 9%).

Coragem

O arquiteto Irã Dudeque, professor da PUCPR, observa que a coragem administrativa foi fundamental para que Curitiba inovasse. A opção preferencial pelo transporte coletivo, em uma época (década de 70) na qual o automóvel começava a ser privilegiado no planejamento, foi uma atitude corajosa, diz ele. Coragem que reapareceu em outros momentos como no fechamento da Rua XV para os carros. Mas que está ficando cada vez mais rara à medida que os gestores curitibanos não querem arcar com os custos políticos das decisões de longo prazo.

Reunir jovens talentosos é aposta que pode dar certo

Assim que saiu da faculdade de Publicidade, Ricardo Dória conseguiu o trabalho que queria numa grande agência de propaganda. Parecia o melhor dos mundos. Mas o emprego não era o que imaginou. Tentou a sorte como freelancer. A liberdade esbarrou em outro problema: como desenvolver projetos sem a infraestrutura de uma empresa?

Com esse dilema, e muitas ideias na cabeça, Dória criou há dois anos a Aldeia, um empreendimento baseado no conceito de coworking – gente de diferentes áreas trabalhando junto. Em um grande vão em desuso numa das galerias do Centro de Curitiba, ele instalou um espaço de uso compartilhado: escritórios, salas de reunião, espaço para treinamentos e para assessorias.

Orgulhoso, Dória hoje comemora o sucesso: unindo pessoas de formações diferentes, as ideias estão saindo do papel. São iniciativas inovadoras. Eles se mobilizam, por exemplo, para propor projetos de lei de iniciativa popular à Câmara Municipal – algo que exige 65 mil assinaturas. Também são responsáveis pela Grande Escola, projeto que se ocupa de ensinar a quem queira aquilo que, embora seja fundamental, não se aprende nos colégios convencionais – como usar a internet e cozinhar.

Diante dos bons resultados, Dória se arrisca a dar um palpite de como uma cidade pode se reinventar: "As pessoas estão rodando um software novo num hardware antigo. Tem muito espaço para inovação fora das estruturas políticas e sociais tradicionais".

O publicitário Elói Zanetti, que coordena um projeto para estimular a criatividade na capital, diz que a chance de Curitiba para voltar a inovar está em apostar nesses jovens empreendedores e nos artistas da cidade. "O momento de inovação do urbanismo decorreu de circunstâncias políticas e históricas", diz Zanetti. Segundo ele, Curitiba conseguiu juntar um grupo de urbanistas inovadores que funcionou. "Durou uns 30 anos e feneceu", lamenta ele.

Mas Zanetti acredita que a reunião de talentos pode dar certo de novo. E diz que há grupos de jovens com potencial para mudar de novo a cara da cidade. "A grande chance da criatividade em Curitiba é essa nova geração. Tem muita gente fazendo coisa boa. Falta o poder público agregá-las."

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