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José Mayer interpreta um desaparecido político em campanha da OAB-RJ pelo direito à memória e verdade | Francisco Teixeira/OAB-RJ
José Mayer interpreta um desaparecido político em campanha da OAB-RJ pelo direito à memória e verdade| Foto: Francisco Teixeira/OAB-RJ

Nos próximos dias, o Planalto deve encaminhar ao Congresso o anteprojeto de lei para a instalação da Comissão da Verdade, que terá o objetivo de apurar violações aos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Pelo menos essa é a expectativa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SEDH), que quer aproveitar a "onda" positiva para o resgate à memória, reforçada pelo julgamento recente do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da Lei da Anistia. Apesar de a maioria dos ministros ter barrado a revisão da norma, quase todos afirmaram que a nação tem o direito de conhecer os fatos que ocorreram durante o regime militar.

A Comissão da Verdade não terá prerrogativas de investigar crimes nem julgar ninguém, mas deve ter acesso a documentos e arquivos que ainda permanecem sigilosos, com a intenção de descobrir o que aconteceu com os desaparecidos durante o regime. Suas atribuições foram desenhadas por um grupo de trabalho criado por meio de decreto presidencial, liderado pela ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra. De acordo com a assessoria da pasta, o anteprojeto já está pronto, mas não pode ser divulgado. O texto aguarda deliberação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para então ser enviado ao Congresso.

Segundo informações da Agência Brasil, a escolha dos membros da Comissão da Verdade deve ficar a cargo de Lula. No entanto, isso dependerá da aprovação dos parlamentares. O ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, já declarou que o ideal é que o grupo seja formado por pessoas que não tenham envolvimento com vítimas, familiares ou militares que participaram da guerrilha ou da repressão.

Apesar de tantos pontos delicados, Vanucchi vem dizendo que a comissão pode avançar bastante. Em 30 de abril, um dia após o STF decidir, por 7 votos a 2, que a Lei da Anistia não será revista, o ministro disse que o julgamento cria um efeito paradoxal, que beneficia o resgate à memória. Os votos proferidos no julgamento embasam essa visão.

A ministra Cármem Lúcia, por exemplo, ao manter a anistia para agentes públicos acusados de cometer crimes comuns durante a ditadura militar, fez uma defesa veemente da busca pela verdade. "É certo que todo povo tem direito de conhecer toda a verdade da sua história, todo o cidadão tem o direito de saber o que o Estado por ele formado faz, como faz, porque faz e para que faz. Todo povo tem o direito de saber, mesmo dos seus piores momentos. Saber para lembrar, lembrar para não esquecer e não esquecer para não repetir erros que custaram vidas e que marcam os que foram sacrificados por pais torturados, irmãos desaparecidos, dentre outras atrocidades," declarou a ministra em seu voto.

"O que os ministros do Su­­premo afirmaram fortalece a luta pela busca da memória", afirma o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous. A entidade lançou uma campanha nacional com atores globais em defesa da elucidação dos crimes cometidos durante a ditadura. "Vamos apoiar a comissão para que ela consiga, na medida do possível, apurar os fatos que aconteceram, como aconteceram e a mando de quem." Ele destacou que é importante não haver "boicote" de nenhum segmento contra os trabalhos da comissão.

O presidente do Clube Militar, o general da reserva Gilberto Figueiredo, também diz que o julgamento do STF abre caminho para a apuração dos fatos do passado. No entanto, ele teme pela composição da Comissão da Verdade. "Gostaria que ela fosse formada por historiadores e acadêmicos, pessoas isentas de qualquer sentimento de revanchismo", declarou. Segundo ele, "há muito a ser revelado, dos dois lados." O general, entretanto, afirma que muitos dos documentos do período já estão acessíveis.

Impunidade

O advogado e especialista em direitos humanos Alexandre Ciconello, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), diz temer pelos trabalhos da Comissão da Verdade. "A decisão do Supremo não interfere diretamente. Contudo, cria um clima para a impunidade e pode ser usada para os setores conservadores da sociedade manterem encobertos fatos relativos à ditadura." Apesar das dificuldades, ele ressalta a importância de passar o passado a limpo. "Não há como construirmos uma sociedade democrática consolidada sem conhecermos os pontos obscuros da nossa história."

Interatividade:

Como seria o funcionamento ideal da Comissão da Verdade?Escreva paraleitor@gazetadopovo.com.brAs cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor

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