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Nesta semana deve voltar à pauta de votações da Assembléia Legislativa o projeto de lei que pretende proibir a instauração de procedimentos administrativos com base em denúncias anônimas nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ou seja, órgãos de controle interno, como a Ouvidoria- Geral do Estado, assim como Ministério Público e Tribunal de Contas, podem ficar proibidos de investigar indícios de irregularidades com origem anônima. Para o ex-ouvidor do estado João Olivir Gabardo, não há motivos para que seja barrada a investigação de denúncias anônimas porque o essencial das investigações é conseguir encontrar a verdade.

Gabardo foi ouvidor-geral no primeiro mandato de Roberto Requião, entre 1991 e 1994. Segundo ele, boa parte das denúncias de irregularidades que eram recebidas pela ouvidoria eram anônimas, principalmente nos casos referentes a policiais militares e civis. Gabardo explica que o expediente é necessário para evitar que as pessoas não temam receber ameaças ou intimidações dos supostos envolvidos em irregularidades. Para evitar calúnia, diz o ex-ouvidor, bastaria o devido cuidado na apuração da denúncia.

O decreto que criou a Ouvidoria em 1991 contou com a participação de Gabardo, que escreveu a minuta do documento assinado pelo governador. Ele conta que todos os relatórios produzidos pela Ouvidoria em sua gestão eram encaminhados ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas, para que fossem investigados os eventuais desvios de condutas de funcionários do executivos apurados pelo órgão.

Gabardo foi conselheiro do Tribunal de Contas por seis anos, entre 1984 e 1990, e presidente da instituição por duas vezes, no período de 1986 a 1989. Foi também suplente do senador Alvaro Dias no último mandato, assumindo a vaga quando Alvaro se licenciou, no ano passado, para disputar as eleições.

Como ouvidor do estado, o senhor recebia muitas denúncias de irregularidades?

Recebíamos denúncias de praticamente todos os setores da administração do Poder Executivo. Porque a ouvidoria foi criada a partir do conceito amplo de "ombudsman", ou seja, com o objetivo de defender o cidadão dos atos da administração pública. Só que nossa ouvidoria ficou restrita só aos atos do Poder Executivo. Quando foi criada, aliás, fui eu quem escrevi minuta do decreto que o governador baixou, nós colocamos como competência e responsabilidade da ouvidoria o controle interno do Poder Executivo. Então, aquilo que o Tribunal de Contas faz no controle externo do Executivo, nós tínhamos a mesma competência internamente. Assim, informações contra o poder público Executivo, ou seja, relacionadas às empresas públicas, secretarias e administração direta e indireta, caíam em nossas mãos.

Como o senhor vê iniciativa dos deputados da Assembléia Legislativa de quererem proibir a instauração de procedimentos administrativos com base em denúncias anônimas?

Isso não tem sentido nenhum. Você tem que buscar a realidade e a verdade. O poder público tem que se abrir. Se houver realmente uma cidadania expressiva, num estado democrático, é preciso investigar todos os atos que possam vir a prejudicar alguém. Então, querer barrar, impedir que a verdade aflore, eu acho isso extremamente negativo.

Os deputados estaduais têm argumentado que denúncias falsas poderiam manchar a reputação de autoridades públicas...

Eu acho muito difícil. É claro que no caso de anônimos é preciso tomar o devido cuidado para fazer o levantamento para não afirmar que aquilo que vem anonimamente seja a expressão da verdade. Mas entendo que as denúncias anônimas devem ser acolhidas e analisadas com cuidado. Tomávamos todos os cuidados para que a pessoa não viesse a ser retaliada inocentemente. Mas deve haver investigação, sem dúvida.

Como eram os procedimentos da Ouvidoria na sua época?

Fazíamos três cópias dos relatórios. Uma era enviada ao governador. As outras duas iam para o Ministério Público e para o Tribunal de Contas porque eles tinham competência para a abrir procedimentos com o objetivo de aplicação de penalidades. O Ministério Público poderia indiciar ou propor processos criminais. O Tribunal de Contas também poderia impor multas. Na sua área, o governador aplicava sanções administrativas, como demitir ou suspender o funcionário que tivesse cometido irregularidades. A auditoria não tinha essas competências.

A entrega de cópias a outras instituições era algo independente da vontade do governador?

Era uma das normas que eu coloquei quando redigi a minuta o decreto da criação da Ouvidoria, assinado pelo governador. O decreto dizia que havia a necessidade de encaminhar os relatórios para o Tribunal de Contas e para o Ministério Público, quando houvesse crime contra a Fazenda Pública. Como eu já tinha uma experiência de análise de contas, porque já tinha sido conselheiro do Tribunal de Contas, definimos que o ouvidor deveria ter cargo de secretário de estado, de forma que não estaria subordinado a ninguém além do governador. Assim, a ouvidoria poderia atuar contra os secretários também, caso houvesse denúncias.

A que resultados as investigações chegavam?

Posso dizer que houve solução de muitos casos de irregularidades. Não posso dizer quais foram esses casos porque praticamente todos os relatórios queimaram, quando houve um incêndio na Assembléia Legislativa na década de noventa. Os deputados queriam cópias de todos os documentos, mas não havia recursos para fazer cópias de todo o material. Então peguei todo o acervo que tinha na Ouvidoria e entreguei para a Assembléia, já no fim do mandato de Requião. Recebíamos muitas denúncias na região da fronteira com o Paraguai, especialmente de contrabando de bebidas. Muitas delas chegavam a nós porque tínhamos uma prática de receber de denúncias anônimas.

As denúncias anônimas contribuíam?

Sem dúvida nenhuma. Tivemos muitas discussões sobre o porquê deveríamos recebê-las. Eu adotei como princípio receber as denúncias anônimas porque, especialmente em relação aos órgãos policiais, sem o anonimato as pessoas teriam medo de denunciar os desmandos, com medo de represálias. Tivemos um caso de uma pessoa que denunciou um policial. Perguntei se ele queria que o nome constasse na denúncia e ele disse que não teria problema. Só que praticamente dez dias depois o denunciante veio me dizer que tudo o que havia declarado não era verdade. Por quê? Depois ficamos sabendo que houve uma ameaça do policial denunciado, mas ele não quis dizer que estava sendo ameaçado. O anonimato é muito importante em denúncias relativas a procedimentos de policiais, quer militares ou civis, porque preserva as pessoas que denunciam. Claro que tínhamos o cuidado de sempre que recebíamos uma denúncia encaminhávamos ao secretário responsável pela área. Tínhamos também o devido cuidado de primeiro fazer uma verificação se havia procedência na denúncia. Na maioria, as denúncias anônimas eram problemas com os policiais.

João Olivir Gabardo, ex-ouvidor-geral do estado.

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