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O promotor de Justiça Mateus Bertoncini, de 43 anos, acredita que a lei 8.429/ 1992, que trata do tema improbidade administrativa, é a mais eficaz do país para combater a corrupção nos órgãos públicos. "No entanto, a própria Constituição Federal e as demais leis brasileiras têm que ser aperfeiçoadas e ter mais rigor. A sociedade precisa cobrar mais também", disse.

Há 19 anos na função de promotor, Bertoncini especializou-se no assunto improbidade administrativa. Ele diz que no Brasil a legislação penal é muito "singela e branda" em relação aos crimes contra o patrimônio público. "Por isso, é necessária uma reforma urgente no sistema, que não está acompanhando a gravidade da situação que a corrupção administrativa. Falta estrutura jurídica, reformas rigorosas e vontade política para se combater esse mal. Por isso a sociedade está desacreditada até na democracia", diz Bertoncini, que foi um dos autores da ação civil pública contra a venda da Copel.

O que constitui improbidade administrativa, segundo a Lei 8.429?

A lei é uma nova maneira de se combater os atos de corrupção na administração pública. Há três modalidades de se comprovar improbidade administrativa, de acordo com a lei. É o enriquecimento ilícito, os causadores de prejuízo ao erário e os atentados contra os princípios da administração pública. E essa lei tem uma característica própria: ela pode ser operada pelos juízes de Direito e promotores de Justiça de primeira instância. Dessa forma, o controlador está mais próximo, pode e deve controlar. Ela permite que, prontamente, o Ministério Público (MP) e o Judiciário local investiguem, processem e julguem os atos do gestor público, o que dá mais agilidade ao processo. Quando quem julga está no local onde ocorreu o ato, é possível ter ter mais conhecimento do que aconteceu.

O senhor poderia diferenciar enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atentado contra os princípios da administração?

Enriquecimento ilícito é qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades da administração pública. Fraudes em licitações, quando se beneficia determinada empresa ou pessoa se caracteriza nesse caso, que é o da "Operação Navalha". Já prejuízo ao erário é qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa que gere perda patrimonial, desvio, apropriação, mau baratamento ou dilapidação dos bens da administração pública. A não fiscalização de uma obra, a demora e o atraso na entrega, ou a não entrega sem cobrança, consideramos prejuízo ao erário. Os chamados "elefantes brancos" consistem nisso. Os superfaturamentos em aquisições de bens para a administração também, que é permitir ou facilitar aquisição de bem ou serviço por preço superior ao de mercado. E atentar contra os princípios significa qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. É agir ilegalmente na função, frustrando a licitude de um concurso público, por exemplo, para beneficiar parentes ou qualquer outra pessoa. O caso do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, que promoveu servidores ilegalmente, pode caracterizar essa modalidade de improbidade administrativa.

Quais são as penalidades para quem pratica atos de improbidade administrativa?

Ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente (o caso do juiz Nicolau dos Santos, o juiz Lalau), perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público. As punições ocorrem de acordo com os atos de corrupção.

E as punições realmente ocorrem?

Ocorrem. Mas volto a repetir é preciso reformular o sistema. Vou dar um exemplo. A legislação penal brasileira, em crimes contra a Lei 8.666, das licitações, prevê pena de dois a quatro anos de detenção e multa para quem frauda um processo licitatório. A pessoa cumpre em regime aberto, o que não é punição e ainda há, geralmente, a substituição da pena. Mas o Código Penal, em caso de roubo qualificado, por exemplo, quando um jovem furta um celular, prevê pena de quatro a dez anos e multa, mais o agravamento de, no mínimo, um terço da pena. Uma diferença brutal de pena, enquanto o crime de desviar milhões do patrimônio público é muito mais grave. O sistema não acompanha a gravidade da situação de corrupção no país. A atual estrutura jurídica disponível no Brasil e a vontade política de hoje não servem para combater esse mal.

E como fica a questão dos homens públicos que têm foro privilegiado?

O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional uma lei que quis conceder foro privilegiado nas ações de improbidade administrativa para aqueles que já detinham o foro em matéria criminal. No caso de improbidade administrativa, as ações são propostas na própria comarca onde ocorrer o ato.

Mas o senhor está falando isso para o caso de supostas improbidades administrativas cometidas por prefeitos. E no caso de governadores, presidente e vice-presidente da República, deputados e senadores, que têm um foro privilegiado diferenciado?

Não. Esses demais homens públicos também, em caso de improbidade administrativa, respondem em juízo comum, em primeira instância. Eles só têm foro privilegiado diferenciado em matéria criminal. O que parece é que o legislador quis hierarquizar os foros. Eu defendo que todos os gestores públicos deveriam ser processados como cidadãos comuns, afinal, isso seria democracia. Nas matérias criminais, para o prefeito, o processo ocorre no Tribunal de Justiça (TJ). Para governadores, desembargadores do TJ, membros do conselho do Tribunal de Contas e do Ministério Público da União, a discussão se dá no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Já deputados federais, senadores, procurador-geral da República, ministros, presidente e vice-presidente da República, o caso vai para o STF. E os deputados estaduais, no TJ ou no Tribunal Regional Federal (TRF).

O senhor acredita que a população brasileira confia na Justiça e nas leis?

A sociedade está desacreditada do sistema e da democracia. O exemplo de criminalidade vem de cima e estimula os autores dos crimes comuns. Mas é preciso vontade e a sociedade precisa pressionar os políticos. O sistema jurídico brasileiro não é bom nem está adaptado para cuidar da improbidade administrativa. É preciso, volto a frisar, fazer mudanças na Constituição Federal e nas leis para se combater a corrupção.

No caso do nepotismo, em qual modalidade de improbidade administrativa ele se encaixa?

É um violador dos princípios da administração pública. Segundo o STF, o nepotismo viola os princípios da moralidade, impessoalidade e igualdade.

O senhor é contra o nepotismo?

Sou contra. Mesmo sendo o parente qualificado. Isso viola o princípio da igualdade. A solução ideal é o concurso público. É melhor para a sociedade que se impeça o emprego de parentes no poder público. Os bons, podem passar no concurso.

O senhor foi um dos autores da ação civil pública contra a venda da Copel. Esse ato implicaria improbidade administrativa?

Sim. Seria prejuízo ao erário. Mas não foi improbidade administrativa porque o ato não se concretizou. Fizemos um trabalho preventivo. Os que queriam vender a Copel a subavaliaram em, pelo menos, R$ 1 bilhão.

Mateus Bertoncini, promotor de Justiça.

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