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A série de denúncias que atingem a Casa Civil concentra cinco problemas-chave da administração pública brasileira nepotismo, confusão entre público e privado, tráfico de influência, financiamento ilegal de campanha e contratação de funcionários fantasmas. A mistura reflete pecados já disseminados e que a cada escândalo parecem mais sem solução. "É mais uma prova de que ainda estamos longe de um nível de maturidade em que a distribuição de cargos é definida a partir de virtudes como equilíbrio, temperança, bom-senso e prudência", avalia o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília.
Entre fatos e versões, as acusações que começaram a ser divulgadas há oito dias evidenciam interesses particulares de filhos no cargo ocupado pela mãe, a ex-ministra Erenice Guerra. Cópias de contratos apresentados às empresas MTA (de transporte aéreo) e EDRB (de geração de energia) supostamente comprovam que a Capital Consultoria, que está no nome de Saulo e Israel Guerra, teria cobrado para intermediar negócios que dependiam do aval da pasta. O consultor da EDRB, Rubnei Quícoli, também declarou que uma das hipóteses de pagamento pelos serviços era a doação de R$ 5 milhões para a campanha de Dilma Rousseff, mas não apresentou provas para comprovar a denúncia.
"É necessário tomar muito cuidado ao falar desse escândalo porque ele é muito recente e obviamente tem efeitos eleitorais. Mas o que parece indiscutível até agora é essa relação inadequada entre parentes", afirma a cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (SP). Há cinco anos na cúpula do ministério mais influente da República, Erenice teve três irmãos e um filho, Israel, em cargos comissionados do governo federal todos foram demitidos em 2008 devido à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu o nepotismo no serviço público.
Israel e o tio, José Euricélio Alves de Carvalho, conseguiram recolocações no governo do Distrito Federal. Ambos foram demitidos na quinta-feira e Israel será alvo de um processo administrativo. Os dois também são citados em um relatório da Controladoria-Geral da União que investiga desvios de R$ 5,8 milhões em contratos fantasmas da editora da Universidade de Brasília.
José Euricélio era membro da direção da editora e havia contratado o sobrinho como assessor. Os dois teriam recebido R$ 134 mil em pagamentos irregulares entre os anos de 2005 e 2008, quando Erenice era secretária-executiva da Casa Civil. Segundo as investigações, os dois estão entre 529 pessoas receberam dinheiro da editora sem ter comprovado a execução do serviço para o qual foram contratados.
Desde sexta-feira, a Polícia Federal planeja realizar um pente-fino nos contratos entre o governo federal e as empresas que usaram a Capital como intermediadora. Se todos os indícios forem comprovados, a ex-ministra e os filhos podem ter cometido crimes de corrupção passiva, improbidade administrativa, tráfico de influência, concussão (exigir para si ou para outro dinheiro ou vantagem em razão da função) e prevaricação (crime praticado por funcionário público contra a administração pública).
Na carta em que justificou o pedido de demissão, Erenice ressaltou que já abriu seus sigilos telefônico, bancário e fiscal para todas as apurações necessárias. Também disse ser vítima de uma campanha de desconstituição de sua imagem e da sua família. "Não apresentam uma única prova sobre minha participação em qualquer dos pretensos atos levianamente questionados", declarou no texto.
Para o cientista político Octaciano Nogueira, a conjunção de todas as denúncias demonstra a inabilidade do PT em aprender com os próprios erros. "A Casa Civil tem sido o eixo do poder neste governo e concentra escândalos desde o ex-ministro José Dirceu. Às vezes parece que eles se acham blindados, que podem fazer qualquer coisa que ninguém vai perceber."
O cientista político e estudioso do nepotismo Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná, afirma que os fatos refletem o comportamento geral da estrutura de poder brasileira. "Por trás da maioria das principais lideranças, há múltiplas redes de nepotismo, de interesses particulares."
Segundo ele, o problema se deve à tolerância do eleitorado. "Aqui há o nepotismo de resultados. Se a população entende que o governante fez algo positivo para ela, acaba relevando outros desvios. Privilegiar parentes, infelizmente, é considerado um pecado secundário."



