FHC e Dirceu acirram conflito ideológico
Coube ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) a resposta mais dura à declaração de Lula sobre a necessidade de extirpar o DEM. Em entrevista concedida anteontem ao site tucano Rede Mobiliza, ele disse que Lula é um "chefe de facção" e ressaltou que é necessário impor limites ao petista. "Faltou quem freasse o Mussolini [ditador fascista da Itália]. Alguém tem que parar o Lula", disse.
Brasília - A declaração do presidente Lula de que o Democratas (DEM) deveria ser extirpado da política brasileira, feita na segunda-feira em Santa Catarina, ocorre na pior fase da história do partido. Encurralado pela dificuldade de fazer oposição a um governo com 80% de aprovação popular e pelo envolvimento no mensalão do Distrito Federal, a principal legenda de direita do país passa por uma crise de identidade. Ao mesmo tempo em que perde terreno na política nacional, afasta-se ideologicamente da direita.
"A questão é que todos os partidos que querem ter competitividade eleitoral no Brasil fazem uma inflexão ao centro. Pega mal se assumir de direita, o que é ruim para o debate democrático", avalia o cientista político Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper/Ibmec). Segundo ele, a legenda cometeu uma série de erros históricos que levaram à situação atual.
Em 2006, o então PFL (a mudança de nome para o DEM ocorreu em março de 2007) elegeu apenas o governador da capital federal. Abatidos pelo mensalão do DEM, José Roberto Arruda e o vice, Paulo Octávio, deixaram a legenda e renunciaram aos mandatos. Em 2010, há possibilidade de vitória no Rio Grande do Norte, com Rosalba Ciarlini, e em Santa Catarina, com Raimundo Colombo.
Na Câmara dos Deputados, porém, a situação é dramática. Estimativas feitas pelas consultorias Arkos Advice e Patri Políticas Públicas sobre a divisão das bancadas para a próxima legislatura mostram que o partido deve perder entre 17,8% e 19,6% das atuais 56 cadeiras que dispõe. "É inegável que passamos por nossa pior crise", diz o deputado paranaense Alceni Guerra, que não disputa a reeleição.
Para ele, Lula sabe que foi incoerente na declaração e vai se arrepender. O presidente falou sobre "extirpar" o DEM como uma resposta ao presidente de honra do partido, Jorge Bornhausen, que em 2005, no auge do mensalão petista, disse que era a oportunidade para se livrar "dessa raça" (o PT) por 30 anos. "O Lula sabe o quanto nós fomos fundamentais para a democracia brasileira."
Alceni foi um dos 18 fundadores da Frente Liberal, dissidência do PDS que foi decisiva na eleição de Tancredo Neves como presidente da República, em 1985. No mesmo ano, foi criado o PFL, de orientação de centro-direira. Depois, os pefelistas serviram de sustentação para os governos de José Sarney (PMDB) e Fernando Collor de Mello (PRN).
"O DEM mantinha uma certa raiz de direita até que se abrigou na aliança com o PSDB, que pode ter conduzido o processo de neoliberalismo das privatizações, mas sempre foi social-democrata, de centro-esquerda", afirma o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília. O partido indicou Marco Maciel como vice de Fernando Henrique Cardoso nos dois mandatos tucanos (1995 a 2002).
Nas eleições de 2002, no entanto, a vaga coube ao PMDB. José Serra (PSDB) perdeu para Lula, mas os dois partidos mantiveram-se unidos na oposição a partir de 2003, na eleição de 2006 e agora em 2010, com Indio da Costa como vice de Serra. "Ou o DEM corta o cordão umbilical com o PSDB e se assume como um partido de direita, ou terá um futuro muito difícil", conclui Barreto.
A discussão ideológica é confusa dentro e fora do partido. "Para mim, o DEM continua sendo um partido de direita e quem o está extirpando da política é a população, eleição após eleição. A verdade é que as pessoas não se identificam com as propostas deles", diz o deputado paranaense Dr. Rosinha, militante da Democracia Socialista, tendência mais à esquerda do PT.
Vice-presidente nacional do DEM, o deputado paranaense Eduardo Sciarra não vê o partido como representante da direita. "Nós temos correntes das mais diversas. Temos uma maioria liberal, mas bem longe da concepção de direita conservadora. Defendemos a livre iniciativa, o direito à propriedade, mas também temos uma visão social de saúde, educação e segurança pública."
Para o cientista político Carlos Melo, o partido e a direita como um todo precisam reencontrar o próprio eixo. "O país se constrói no confronto de ideias. Essa discussão de raça para cá, de extirpar para lá é um tiroteio que não faz sentido, que mostra que os partidos só querem o poder pelo poder."
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