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Expedição Paraná

A insegurança nasce aqui

Uma das regiões mais ricas do estado, o Oeste não consegue distribuir renda e convive com o contrabando e o tráfico de drogas

Marcos Pierre Carvalho, inspetor da Polícia Rodoviária Federal: trabalho árduo nas rodovias de uma das regiões mais inseguras do estado | Albari Rosa / Gazeta do Povo
Marcos Pierre Carvalho, inspetor da Polícia Rodoviária Federal: trabalho árduo nas rodovias de uma das regiões mais inseguras do estado (Foto: Albari Rosa / Gazeta do Povo)
Felipe (nome fictício) trocou o salário de R$ 800 mensais por uma renda de R$ 8 mil com o contrabando:

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Felipe (nome fictício) trocou o salário de R$ 800 mensais por uma renda de R$ 8 mil com o contrabando:

Confira o perfil da Região Oeste do Paraná |

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Confira o perfil da Região Oeste do Paraná

Felipe é o nome fictício de um gaúcho de 31 anos, casado e com dois filhos, um "freteiro" do contrabando na Região Oeste do Paraná. Sua missão é pegar mercadorias em favelas de Foz do Iguaçu – atravessadas ilegalmente pelo Rio Paraná, na fronteira com o Para­­guai – e levá-las para Cascavel, Curitiba ou São Paulo. Marcos Pierre Carvalho é o nome real de um mineiro de 34 anos, 15 vividos como policial e quatro deles nas rodovias da região de Foz. A missão: combater o trabalho de milhares de pessoas como Felipe, que atuam para abastecer o restante do país com produtos livres de impostos ou falsificados – e, nos casos mais graves, drogas e armas.

Os dois são os lados opostos de uma briga de gato e rato travada pelo setor público contra a informalidade e o crime. Essa briga é travada há décadas no Oeste do estado – e, por enquanto, com clara vantagem para os roedores. Apesar do esforço das autoridades, a fronteira com o Paraguai é a principal porta de entrada de maconha e contrabando no Brasil. Tanto a Organização das Nações Unidas (ONU) como um moleque de 5 anos em Foz sabem como e por onde acontece o comércio ilegal, mas ninguém conseguiu pará-lo.

Pierre fala com orgulho do seu trabalho. Não é para menos. Desde o início do ano já foram retiradas de circulação 30 toneladas de maconha na região de Foz, bem acima das 9 toneladas de 2009. O contrabando retido nas estradas soma mais de US$ 6 milhões – em todo o ano passado, foram US$ 9,3 milhões. O número de carros roubados recuperados também deve superar o do ano passado: até julho foram 130 veículos, contra 204 no ano anterior. Esses números são só da Polícia Rodoviária Federal (PRF) – há ainda as estatísticas da Polícia Federal, da Receita Federal e das polícias Civil e Militar. "Cada apreensão é um prazer imenso. Quando apreendemos um quilo de maconha nem vai mais para a imprensa. Fui policial civil em Minas Gerais e sei quantas mortes podem acontecer em volta dessa maconha", diz Pierre, recentemente promovido a Inspetor Operacional da PRF.

O pano de fundo desse problema são os baixos salários do trabalho formal e a falta de oportunidades. Os paraguaios plantam maconha porque ela é mais rentável que a soja, por exemplo. Como freiteiro do contrabando, Felipe ganha até R$ 8 mil por mês, dez vezes mais que os R$ 800 que recebia como açougueiro, há seis anos. "Não consegui juntar nenhum patrimônio até hoje. Você ganha bem, mas do jeito que ganha, perde muito", conta Felipe.

O contrabandista já perdeu mais de dez carros carregados de produtos. Foi preso duas vezes, responde a um processo criminal e paga a condenação de outro com serviços comunitários. Na maioria das vezes, Felipe abandona o carro com a mercadoria assim que os policiais ameaçam pará-lo ou iniciam uma perseguição pelas estradas rurais. O prejuízo é o que menos assusta o freteiro. Ele teme mesmo deixar a família desamparada. "Já perdi dois colegas de profissão em acidentes durante perseguições."

Riqueza

O crime organizado encontrou espaço para se estruturar, crescer e se tornar um dos maiores empregadores em Foz, cidade localizada em uma região com enorme potencial turístico por causa das Cataratas do Iguaçu, do Parque Nacional, da Tríplice Fronteira e da Usina de Itaipu. Além disso, está na terceira região mais rica do Paraná, atrás apenas de Curitiba e o Norte do estado. "Uma moderna base produtiva agropecuária tem sido capaz de compatibilizar uma agricultura pautada em mão de obra familiar e um alto desempenho produtivo. Essa mesorregião ocupa o primeiro lugar no ranking estadual de vários dos principais produtos da pauta paranaense, a exemplo de soja, milho, aves, suínos e leite", resume o trecho de um estudo regional do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes).

Toda essa riqueza não tem sido suficiente para evitar que o contrabando e o crime organizado se espalhem por cidades como Guaíra e pelos municípios à beira dos 170 km do Lago de Itaipu, que fazem divisa com o Paraguai. "O clima é de intranquilidade. As pessoas acabam deixando de fazer coisas", afirma o coordenador Khaled Nakka, da Coor­­­denadoria das As­­sociações Co­­merciais e Empresariais do Oeste do Paraná (Caciopar), sobre a crescente violência na região.

Duas das três principais de­­mandas da população da região são relacionadas ao tráfico e ao contrabando, segundo levantamento do Instituto Paraná Pesqui­­sas feito com exclusividade para a Gazeta do Povo. O item "segurança pública" foi citado por 49% dos entrevistados, seguido de "saúde" com 47%, e drogas, com 23%.

Uma política eficiente de repressão, aliada à criação de novas oportunidades de emprego, é um dos principais desafios para que o tráfico e contrabando não cresçam ainda mais nas cidades ao longo da fronteira com o Paraguai. "O sonho é dobrar o efetivo que tenho hoje", revela Pierre. "Intenção de sair [do crime] eu tenho, mas é difícil. Assalariado, eu não tiro o que ganho aqui", lamenta Felipe.

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