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No DF, terra e fé explicam o fenômeno Roriz

Apesar do despreparo e das gafes nos debates, um entre três eleitores deverão votar na dona de casa Weslian, mulher de Joaquim Roriz, no segundo turno das eleições

Weslian Roriz: primeira eleição e fama nacional aos 67 anos, quando assumiu a candidatura do marido, Joaquim Roriz | Antônio Cruz/ABr
Weslian Roriz: primeira eleição e fama nacional aos 67 anos, quando assumiu a candidatura do marido, Joaquim Roriz (Foto: Antônio Cruz/ABr)
O ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz no dia do lançamento da candidatura de sua mulher, Weslian |

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O ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz no dia do lançamento da candidatura de sua mulher, Weslian

"Xô, satanás, aqui o povo é de paz", dizia o locutor que puxava na terça-feira a carreata da candidata a governadora do Distrito Federal Weslian Roriz (PSC). "Não seja ingrato: vai votar em quem quer cobrar o seu lote, tirar você daqui, ou em quem quer regularizar a sua situação?", seguia indagando aos moradores do Varjão, área de invasão próxima ao centro da capital. As duas referências, religião e terra, ajudam a explicar o fenômeno Roriz em Brasília.

Aos 67 anos, a dona de casa Weslian ganhou fama nacional ao assumir a candidatura do marido, Joaquim Roriz, a nove dias do primeiro turno. Antes, nunca havia disputado uma eleição. Só assumiu a tarefa porque o companheiro, que governou o Distrito Federal por 14 anos, teve o registro cassado pela Justiça Eleitoral com base na lei da Ficha Limpa.

Ele recorreu da decisão ao Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu o julgamento em um empate histórico – a proclamação do resultado depende da indicação do 11º ministro da corte, que só ocorrerá após as eleições. Na dúvida, Joaquim preferiu não arriscar e renunciou. Nascia "dona" Weslian para a política.

"Foi uma decisão particular dela", afirma a filha, Jaqueline Roriz, recém-eleita deputada federal pelo PSC. "Fiquei bastante chocada, mas acho que foi uma decisão bem pensada." O cálculo, porém, subestimou tarefas básicas de um candidato, como dar entrevistas e participar dos debates na televisão.

A confusão começou logo na primeira coletiva. A cada questão, Joaquim soprava descaradamente a resposta para a esposa, que se escorava no bordão de que sua maior qualidade era ter acompanhado o ex-governador por 50 anos. A notoriedade ex­­trapolou as fronteiras do Distrito Federal quando Weslian participou dos debates na Rede Globo e SBT.

Uma das compilações com os "melhores momentos" da candidata disponível no site de vídeos Youtube tinha até sexta-feira quase 1,2 milhão de visualizações (Brasília tem 1,8 milhão de eleitores). Nas imagens, ela se atrapalha com papeis e palavras e solta pérolas como a frase "eu quero defender toda aquela corrupção", ato falho sobre os escândalos políticos da capital. Também de­­­monstra desconhecer termos básicos dos debates, como réplica e tréplica.

Com todos os percalços, mas amparada pela foto de Joaquim na urna eletrônica (não houve tempo para fazer a troca na época), fez 440.128 votos (31,5% dos válidos). Foi o suficiente para chegar ao segundo turno contra Agnelo Queiroz (PT), que somou 676.394 votos (48,41%). Desde o feito, não compareceu mais a debates.

Todas as pesquisas recentes apontam que ela está bem atrás do petista. Na última sondagem do Datafolha*, divulgada na sexta-feira, Agnelo aparece com 64% das intenções de voto (contando apenas os válidos). Weslian tem 36% e, na pior das hipóteses, deve conseguir ainda mais votos do que no primeiro turno.

Capital eleitoral

Se à distância as gafes soam como um vexame, a participação da candidata comprova o capital eleitoral da família Roriz. Além de Jaqueline, outra filha do casal, Liliane, elegeu-se deputada distrital. Já Joaquim manteve ao menos a escrita de nunca ter perdido uma eleição no Distrito Federal.

Depois de ser governador nomeado por José Sarney no final dos anos 1980 (as eleições na capital foram criadas pela Constituição de 1988), venceu nas urnas em 1990, 1998 e 2002. Em todas as gestões, acumulou popularidade graças à entrega de lotes públicos para famílias carentes.

"Ele tem um grupo de seguidores que vota nele independentemente de qualquer denúncia. Votam por uma gratidão falsa, como se o Roriz tivesse dado a terra, quando na verdade foi o Estado", avalia o senador Cris­­tovam Buarque (PDT), governador do Distrito Federal entre 1995 e 1998. Ele tentou a reeleição e perdeu justamente para Joaquim.

Em 2006, Roriz foi eleito senador. Em julho de 2007, renunciou ao cargo após ter sido flagrado por escutas telefônicas negociando a partilha de R$ 2,2 milhões, sem origem comprovada, com o ex-presidente do Banco de Brasília, Tarcísio Franklin de Moura, preso durante a Operação Aquarela. Após anunciar a decisão, foi direto rezar na Catedral de Brasília.

Esse tipo de renúncia torna o político inelegível por oito anos, de acordo com a lei da Ficha Limpa promulgada em julho. Ao desistir e lançar a esposa no seu lugar, Joaquim tentou mais uma vez vender a imagem de perseguido político. Acirrou a disputa entre azuis, aliados da família Roriz, e vermelhos, militantes do PT.

Ainda mais do que na campanha presidencial, a tentativa de diferenciação no Distrito Federal leva em consideração temas ético-religiosos. No primeiro debate do qual participou, Weslian sublinhou que Agnelo já foi do PCdoB e que os comunistas não acreditam em Deus. A todo momento tem enfatizado que é contra a legalização do aborto e a favor da vida.

Já o "outro lado", como dizia o jingle durante a carreata de terça-feira no Varjão, é o "desespero". Entre a comunidade humilde da região, Weslian e Joaquim foram recebidos como celebridades. Cercado por jornalistas, o casal repetiu a atitude do primeiro dia de campanha – Joaquim disse à mulher o que deveria responder.

Irritado com os questionamentos que insistiam sobre a participação nos debates, o ex-governador pediu para uma repórter da Rede Globo que dirigisse as perguntas apenas para ele. "Só que é ela a candidata", respondeu a jornalista. "Mas eu sou o marido dela", retrucou Joaquim.

Entre promessas de lotes, palavras de fé e parentesco, a carreata seguiu em frente. Apesar de tudo indicar uma vitória do PT no domingo, os Roriz permanecerão fortes – e com o aval de pelo menos um a cada três brasilienses.

* A pesquisa foi realizada entre os dias 20 e 21, com 1.115 entrevistados. A margem de erro é de 3 pontos porcentuais para mais ou para menos. O levantamento está registrado no TRE do Distrito Federal com o número 37.880/2010.

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