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Bento XVI toma partido: a missão do bispo, quando está em jogo a defesa da vida, é denunciar, sem con­­descendência e sem medo das represálias.

Pela primeira vez na história recente o episcopado brasileiro agiu de forma mais incisiva em um processo eleitoral. Houve desde os bispos que denunciaram a militância pró-aborto de candidatos e partidos, como dom Luiz Gonzaga Bergonzini (bispo de Guarulhos-SP) e dom Aldo Pagotto (arcebispo da Paraíba); os bispos alinhados ao PT, como dom Demétrio Valentini (de Jales-SP) – que chegou a insinuar que dom Luiz teria cometido crime eleitoral –; e, no meio, uma grande massa que preferiu nem tocar no assunto ou fazer comentários genéricos que, no fundo, ajudavam muito pouco a orientar o eleitor católico. Sem falar dos bispos que, num primeiro momento, aderiram ao tom enfático, mas depois recuaram, como os da Regional Sul 1 da CNBB, que até tiraram de seu site o "Apelo a todos os brasileiros e brasileiras", o texto que estava nos panfletos apreendidos pela Polícia Federal há dois fins de semana.

O recado do Papa no discurso de ontem é claro, e dirigido principalmente aos bispos: não é tudo a mesma coisa, como se dom Luiz e dom Demétrio fossem apenas dois lados igualmente válidos na discussão. Bento XVI toma partido: a missão do bispo, quando está em jogo a defesa da vida, é denunciar, sem condescendência e sem medo das represálias. Em outras palavras, certos estão dom Luiz e dom Aldo, no raciocínio do Papa. Bento XVI não chegou a mencionar Santo Ambrósio, bispo de Milão, que comprou briga com o imperador romano Teodósio, mas a analogia é óbvia. Além disso, recentemente o Papa nomeou cardeal um dos primeiros bispos norte-americanos a pedir que os padres não dessem a comunhão a políticos que publicamente apoiassem o direito ao aborto.

A conclusão é de que, desde ontem, bispo nenhum pode alegar que não tem orientação superior sobre como agir diante de candidatos, partidos ou planos de governo que ameacem a defesa da vida desde a concepção até a morte natural: o Papa pede de forma clara que os religiosos se coloquem contra tais iniciativas e deem nome aos bois. E os fiéis também passam a ter o direito de esperar um comportamento firme de seus pastores.

Sem a pretensão de interferir no processo eleitoral brasileiro, o discurso de ontem também manda um recado indireto aos próprios políticos: se o vencedor de domingo, seja quem for, insistir no direito ao aborto, deve esperar uma oposição mais ruidosa (e com aval do Papa) dos líderes católicos, apesar de um certo "laicinismo" que, sob o slogan do "Estado laico", na prática busca impedir a Igreja de participar do debate público. E, aos eleitores católicos, o Papa reforça a condenação explícita ao Plano Nacional de Direitos Humanos do governo Lula (embora não mencione o PNDH3 pelo nome) – condenação que já havia sido feita por vários bispos. É difícil dizer se as palavras de Bento XVI terão algum impacto eleitoral. Mas elas estabelecem um marco para a atuação futura da Igreja no Brasil.

Marcio Antonio Campos é editor de Economia e blogueiro de ciência e religião da Gazeta do Povo

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