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Grandes empreiteiras simulavam participar de concorrências na Petrobras com a apresentação de propostas de “cobertura”, que seriam “não competitivas”, apenas para “legitimar o certame”. | Antonio Lacerda/EFE
Grandes empreiteiras simulavam participar de concorrências na Petrobras com a apresentação de propostas de “cobertura”, que seriam “não competitivas”, apenas para “legitimar o certame”.| Foto: Antonio Lacerda/EFE

O diretor da empresa Toyo Setal, Marcos Pereira Berti, afirmou em depoimento à força tarefa da Operação Lava Jato que grandes empreiteiras simulavam participar de concorrências na Petrobras com a apresentação de propostas de “cobertura”, que seriam “não competitivas”, apenas para “legitimar o certame” da estatal do petróleo.

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As declarações reforçam as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre um extenso acordo entre algumas das maiores empreiteiras do país para fraudar concorrências na Petrobras.

Berti era uma peça de relevo nas investigações sobre o suposto cartel desde outubro de 2014, quando o executivo Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, sócio da Setal Construções, detalhou aos investigadores da Lava Jato, em seu termo de delação premiada, o funcionamento do que ele chamou de “clube” de empreiteiras. Mendonça Neto ressaltou, porém, que havia participado “de poucas reuniões” entre os empreiteiros, pois “colocou Marcos Berti para atuar em seu nome”. Assim, Berti teria sido uma testemunha ocular dos acertos entre empreiteiros.

Berti foi ouvido pela Lava Jato no último dia 24 de fevereiro --o depoimento foi anexado nesta segunda-feira (23) aos autos da ação penal aberta por decisão do juiz federal Sergio Moro para processar o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, dentre outros.

Berti relatou à força tarefa que, no início de 2005, então no cargo de diretor comercial da Setal, participou pela primeira vez, a pedido de Mendonça Neto, da reunião das empresas “que concorriam em licitações na Petrobras”.

No encontro, realizado na sede da UTC Engenharia, em São Paulo, Berti esteve com executivos representantes das empresas Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, UTC, Mendes Júnior, Setal, MPE, Promon e Techint.

Berti seguiu como representante da Setal de 2005 até o começo de 2007 nas reuniões que ocorriam a cada dois meses, quase sempre convocadas por secretárias de Ricardo Pessoa, da UTC. Em 2006, segundo Berti, apenas nove empresas participavam das reuniões.

Nessa primeira fase, de acordo com Berti, “foram divididas entre as empresas do grupo as obras referentes à Refinaria de Araucária (Repar)” e “as obras referentes à Refinaria de Paulínia (Replan)”.

No final de 2006, outras empresas “passaram a ser convidadas” pela Petrobras para participar de suas concorrências, o que gerou uma reação dos empreiteiros do grupo porque “os ajustes pactuados entre elas não estava surtindo efeito em grande parte dos casos, diante das propostas das demais empresas fora do grupo”.

Por isso, segundo o diretor da Setal, quatro grandes empreiteiras (Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, UTC e Odebrecht) foram ao encontro das outras empreiteiras e as convidaram a participar das reuniões, ampliando o grupo de nove para 16 integrantes. Das novas participantes, Berti citou OAS, Engevix, Skanska, GDK, Iesa e Queiroz Galvão.

As reuniões então se tornaram mais frequentes, realizadas nos escritórios da UTC Engenharia em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Segundo Berti, representantes de empresas “mantinham contato diretamente” com os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa (Abastecimento) e Renato Duque (Serviços), além do ex-gerente de engenharia Pedro Barusco.

Berti explicou que a Petrobras elaborava uma lista pública “com os investimentos que pretende [pretendia] fazer no futuro”. A lista servia para “basilar a divisão das obras futuras entre os participantes do grupo de empresas”.

Se a Petrobras convidava uma empresa de fora do grupo, segundo Berti, os acordos “deixavam de valer e as próprias empresas do grupo passavam a atuar competitivamente neste certame específico”. Em certos casos, porém, disse o diretor, as empresas do cartel “buscavam contatar os representantes dessas terceiras empresas para com eles tentar estabelecer um acordo prévio sobre a obra/certame de que eles iriam participar”.

Como parte do acordo havia a prática das “propostas de ‘cobertura’“. Segundo Berti, “as empresas conversavam entre si, dentro ou fora das reuniões do grupo, estabelecendo quais seriam as empresas que forneceriam tais propostas cobertura”.

“Por meio de emissários próprios”, as propostas circulavam previamente em envelopes entre as empresas, de modo que as responsáveis pela “cobertura” pudessem “efetuar lances superiores”.

Berti citou dois casos em que as propostas “cobertura” foram usadas: a carteira de gasolina da Replan e o sistema de interligações da Repar --disputas vencidas pelo consórcio SOG/Setal, Mender Júnior e MPE.

A pedido da força tarefa, Berti listou as obras que foram “discutidas e divididas” pelo grupo de empreiteiras: as refinarias Alberto Pasqualini, Presidente Bernardes, Gabriel Passos, Duque de Caxias e Presidente Vargas, além dos terminais Barra do Riacho, da Bahia e Cabiúnas.

Outro lado

Das empresas citadas por Marcos Berti, a ampla maioria nega qualquer envolvimento em irregularidades e não reconhece a existência de um “clube” de empreiteiras.

Dois executivos da Camargo Corrêa, Eduardo Hermelino Leite e Dalton Avancini, assinaram um acordo de delação premiada segundo o qual reconheceriam condutas impróprias em troca da redução de eventual pena e da libertação da prisão na qual estão confinados desde novembro passado, em Curitiba (PR).

No primeiro depoimento da sua delação premiada que foi anexado aos autos da Lava Jato também nesta segunda-feira (23), Leite afirmou que o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, cobrou pessoalmente uma suposta dívida da empreiteira superior a R$ 10 milhões relativa a “pagamentos de vantagem indevida frente a contratos da construtora com a Petrobras” e sugeriu que o valor fosse pago ao PT “mediante doações eleitorais oficiais”.

Leite disse que repassou o assunto ao “vice-presidente institucional” da empreiteira. Indagado se determinado acionista da Camargo Corrêa sabia do pagamento de propinas, Eduardo Leite afirmou que “não, a propina não era um tema tratado pelos acionistas e sim um custo para a construtora”.

O depoimento de Leite até aqui revelado, de número 23, não desce a detalhes sobre supostos acertos entre empreiteiras porque o documento tratou especificamente do papel de João Vaccari, do doleiro Alberto Youssef e do ex-deputado federal José Janene (PP-PR). Os outros termos de depoimento de Leite e Avancini seguem cobertos pelo segredo de Justiça.

Em nota nesta segunda-feira (23), a secretaria de finanças do diretório nacional do PT afirmou que Vaccari “não participou de nenhum esquema para recebimento de propina ou de recursos de origem ilegal destinados ao PT”.

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