Especialistas em Direito e representantes de jornalistas criticam a liminar do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do distrito Federal, que proibiu o jornal O Estado de S.Paulo de publicar reportagens com informações sobre a Operação Boi Barrica, que envolve o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AL). Para eles, a decisão contrária à liberdade de imprensa.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paraná (OAB-PR), Alberto de Paula Machado, afirma que a decisão é um retrocesso autoritário. "O estágio que a democracia atingiu no Brasil não admite mais qualquer tipo de censura. É um absoluto e inadmissível retrocesso pensarmos que a imprensa seja proibida de divulgar fatos e investigações", diz Machado.
"A situação específica é ainda mais grave pelo fato de que as pessoas em questão têm vida pública e ocupam cargos públicos (como é o caso do pai do investigado) ou mantêm negócios com o poder público (como é o caso do investigado)", afirma o presidente da OAB-PR.
Para advogado Alexandre Faraco, especialista em regulação de redes eletrônicas de comunicação e professor da UFPR, por tratar de evidente interesse público, o direito de informação se sobrepõe ao direito de privacidade nesse caso. "Como é uma investigação que envolve interesse público, é praticamente inviável suspender a publicação. Possíveis abusos devem ser vistos após a publicação. Essa tem de ser a regra para a liberdade de imprensa", avalia.
O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) acredita que se a liminar for mantida pela Justiça abrirá um precedente para o cerceamento a divulgação de informações. "Durante as CPIs (que apuraram o caso do mensalão), foram feitos pedidos para que as investigações não fossem divulgadas, mas nenhum deles foi acatado", lembra.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor-PR), Márcio Rodrigues, também considerou a decisão perigosa: "Qualquer cerceamento da liberdade de expressão é prejudicial e perigosa para o conjunto da sociedade".
Desembargador tinha relações pessoais com José Sarney
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e juristas afirmaram ontem que o desembargador Dácio Vieira, que proibiu o jornal O Estado de S.Paulo de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, deveria ter se declarado suspeito. Ministros do STF, em reservado, afirmaram que o desembargador deveria ter se negado a analisar o pedido de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), por ter relações pessoais com o senador. Uma foto publicada em O Estado de S.Paulo no sábado (veja acima) mostra o desembargador com Sarney na festa de casamento da filha do ex-diretor-geral do Senado Agaciel Maia, juntamente com os senadores José Sarney e Renan Calheiros.
Além disso, Vieira trabalhou durante oito anos no Senado. Em 1986, assumiu o cargo de assessor jurídico do Centro Gráfico do Senado, período em que o ex-diretor da Casa, Agaciel Maia, comandava o setor. Entre 1990 e 1991, Dácio também esteve à disposição da presidência do Senado, apresentando informações para a defesa da Casa em algumas ações judiciais contra a instituição.
Dácio Vieira deixou o serviço no Legislativo em 1994, quando assumiu o cargo de desembargador no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. No entanto, mesmo há quase 15 anos fora do Senado, ao que parece, a saída do Congresso não significou um corte nos laços com alguns membros da Casa.
"É um caso típico de responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembargador jamais poderia ter decidido em causa de interesse de pessoa próxima dele", afirma o advogado Luiz Flávio Gomes. "A questão aí é o vínculo de compadrio, ele (Vieira) é amigo, é íntimo. Não pode ser juiz da causa, não tem a imparcialidade exigida da Justiça." O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), protocolou ontem uma denúncia em que pede abertura de sindicância do CNJ contra Dácio Vieira.
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