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Um ex-coronel do Exército admitiu que teria bombardeado uma praça em Goiânia, onde estavam mais de 10 mil pessoas, caso o governador de Goiás, Mauro Borges, não houvesse renunciado. O caso ocorreu no dia 26 de novembro de 1964, meses após o golpe militar, e foi revelado durante uma série de depoimentos ouvidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) nesta terça-feira em Belo Horizonte (MG).

- Estive em Goiânia, ficamos hospedados no hospital Rassi. Eu era tenente, mas minha especialidade era tiro de arma curva, cálculo de tiro. A missão que nós tivemos era destruir as três pontes do Rio Meia Ponte. Tiro foi regulado para ali, mas havia mais de 10 mil na praça - relatou o ex-coronel do Exército Paulo Rubens Pereira Diniz, à época tenente com 25 anos.

Segundo o depoimento, Diniz era lotado no Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) e recebeu a ordem para assumir um pelotão de "morteiro e arma curva" por causa de sua especialidade - o militar é engenheiro. Questionado pelo coordenador da comissão, Pedro Dallari, Diniz admitiu que iria bombardear a praça, ocupada por manifestantes pró Borges.

- Nós, tenentes, éramos donos da verdade. Eu teria cumprido a ordem - afirmou.

Dallari chegou a comparar o episódio ao Riocentro, em 1981. Além de admitir que houve tortura no Exército durante o período de Ditadura, Diniz revelou que treinou uma tropa de indígenas no Alto Rio Negro, na Amazônia. O objetivo era combater guerrilheiros, como os que lutaram no Araguaia.

Em depoimento que durou cerca de 50 minutos, o ex-coronel ainda pediu anistia à CNV ao afirmar que sofreu perseguição de superiores.

- Isso (episódios como o da praça em Goiânia) abala qualquer um - afirmou.

Passado sobrio

Antes dos depoimentos, integrantes da CNV, peritos e quatro torturados durante a Ditadura visitaram o antigo 12º Regimento de Infantaria do Exército, o atual 12º Batalhão de Infantaria, em Belo Horizonte, por cerca de 2h. A estrutura na capital mineira é uma das sete instalações militares identificadas por pesquisa da CNV onde foram realizadas violações graves dos direitos humanos.

- Foi uma noite de terror. Fui preso dia 31 de julho de 1969 e me trouxeram para cá. Foi a noite toda de pancada, algemado, choque elétrico, golpes de cacetete. Quebraram meu pé com martelo. Fiquei internado uma semana no pronto-socorro e outros dois meses em outro hospital. Uma noite foi o suficiente para quase morrer - relembrou o médico aposentado Carlos Antônio Melgaço Valadares.

- Foi aqui que os militares me disseram que a paciência havia acabado. Foi numa sala daqui que os militares me disseram: "já que você teima em não falar nada, vamos te entregar para um sargento que é sádico, tem prazer e se excita com o sofrimento especialmente das mulheres". Me botaram num jipe de cabeça abaixada e me levaram a um posto policial no meio da estrada. Me torturaram das 19h às 5h, me estupraram. Houve espancamento, pau de arara, telefone, choque elétrico - relata, emocionada, Gilse Cosenza.

Apesar de reviver dores do passado, todos os torturados (Gildásio Cosenza e Emely Vieira Salazar também visitaram a estrutura militar) consideraram a ação da CNV importante.

- Meu sentimento é de satisfação de saber que, embora tenha se passado muitos anos, há grupos e pessoas em resgatar nossa história - disse Emely.

Em Minas, segundo levantamento da CNV, 24 pessoas morreram ou desapareceram durante a Ditadura.

- A violência foi muito grande. O local (antigo 12º RI) foi muito modificado. Testemunhas reconheceram alguns pontos de referência e reavivou na memória deles a lembrança do que passaram nesse local, um local importante de Belo Horizonte, mas que lamentavelmente virou uma casa de horrores - avaliou o coordenador da comissão, Pedro Dallari.

A CNV pretende visitar nos próximos dias as últimas duas instalações militares reconhecidamente usadas para graves infrações de diretos humanos: onde funcionou Doi-Codi do IX Exército, no Recife (PE), e a Base Naval da Ilha das Flores. Há ainda uma pesquisa feita para revelar estruturas clandestinas usadas na Ditadura como locais de tortura. Em Belo Horizonte, o ponto era uma casa (hoje um prédio) no bairro Renascença, na região Nordeste da cidade. Todos os relatórios serão entregues no dia 10 de dezembro.

Estrutura permanente

A CNV, que já teve os trabalhos estendidos por seis meses, rechaça pedir nova prorrogação para a realização dos trabalhos. No entanto, Dallari afirmou que pretende sugerir a criação de um "ente permanente para tocar a apuração".

- No Uruguai, existe uma comissão que se chama Comissão do Passado Recente, que é justamente alguém que pode dar continuidade a esse trabalho no âmbito oficial. De qualquer maneira, um dos legados importantes da CNV foi ter gerado uma rede de entidades que vão dar continuidade a esse trabalho. Estamos deixando um legado que vai permitir que a universidade brasileira aprofunde nesses estudos - afirmou.

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