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Palácio Piratini, sede do governo do RS: crise sem precedentes. | Pedro Revillion/CAM
Palácio Piratini, sede do governo do RS: crise sem precedentes.| Foto: Pedro Revillion/CAM

Com as contas em desequilíbrio, gastando mais do que arrecada há décadas e atolado em dívidas, o Rio Grande do Sul enfrenta um fantasma comum a muitas empresas em tempos de crise: a falência. O estado luta apenas para manter o salário dos servidores em dia e evitar, assim, um colapso nos serviços públicos.

O termo “falência”, estranho ao mundo da política, não é apenas retórica. Um dos maiores especialistas em finanças públicas do estado adverte que o risco é real e pode ser concretizado até o fim do ano se o governo optar por não pagar a dívida pública com a União como forma de aliviar o caixa e garantir a manutenção dos serviços.

Soldado faz ‘bico de segurança’ para pagar atrasados

O soldado Elias Bastos Gonçalves, de 53 anos, contabiliza as contas que ficaram para trás: R$ 133 da luz, R$ 54 da água, R$ 483 do cartão de crédito, R$ 203 da reforma da cozinha, R$ 90 da internet e mais R$ 85 do celular. Além disso, tem um cheque pré-datado de R$ 400, passado “numa emergência” para pagar a anestesia do filho, que precisou ser operado. E tem R$ 1 mil emprestados pela irmã, e mais o IPVA do carro. E ainda as contas que vão chegar. Elias não queria, mas terá de aumentar a carga de trabalho extra – o chamado “bico de segurança”  – para fazer frente à situação atual. Sorte que a casa é própria e que a família não mora de aluguel, pois no dia 31 de julho o governo gaúcho depositou apenas R$ 2.150 do salário líquido de R$ 3.600 do brigadiano.

“Estamos todos muito apreensivos. As contas estão chegando, e as notícias que recebemos é que ainda pode piorar. Eu contava com o dinheiro integral no fim do mês, mas já sabia que podia haver atraso. Mas como é que fica a nossa moral? Sempre paguei minhas contas em dia”, desabafa o soldado, que tem 25 anos de Brigada Militar e deve se formar sargento no fim do ano.

Pai de dois filhos e casado com uma copeira terceirizada que ganha pouco mais de um salário-mínimo, Elias conta que o clima na Brigada Militar está “péssimo” e tende a piorar. Segundo o soldado, os colegas vão trabalhar “invocados” e tendem a ficar “vulneráveis” em relação ao assédio da bandidagem:

“ pessoal da Brigada se ajuda muito, troca informações sobre bicos e não deixa ninguém passar necessidade. Mas, na situação atual, está todo mundo devendo uma vela para cada santo”, afirma.

“O estado ainda não faliu apenas porque há resquícios financeiros que deram uma sobrevida ao governo atual. Mas não vejo muita chance de escapar da degola. No atual cenário, só se a receita crescesse bastante, o que não parece nem um pouco provável”, avalia o economista e professor aposentado da UFRGS Darcy Carvalho dos Santos.

A dívida consolidada se aproxima dos R$ 55 bilhões, mais de duas vezes a projeção de receita corrente líquida de 2015. Nos últimos 44 anos, em 37 exercícios fiscais o Rio Grande do Sul gastou mais do que arrecadou. As receitas, paralelamente ao mau comportamento das despesas, crescem cada vez menos. No primeiro semestre do ano, chegaram a registrar queda de 2,5% em relação a 2014.

A virtual insolvência do estado provoca implicações políticas. Os vencimentos de julho de mais de 160 mil funcionários, da ativa e aposentados, foram limitados a R$ 2.150 e só serão quitados daqui a duas semanas, se houver dinheiro. A perspectiva para agosto é ainda mais sombria: pagamento em dia somente até o limite de R$ 1 mil.

Professores, policiais civis e militares, servidores de educação e de saúde, técnicos e profissionais de nível superior reagiram com uma operação-padrão e ameaçam greve geral a partir do fim da próxima semana. A Segurança Pública é a área mais afetada pela crise, com 85% dos funcionários com salários atrasados. O atraso foi parar no STF, que ameaça o estado com uma intervenção caso descumpra uma eventual ordem para pagar em dia.

Semana passada, o estado ultrapassou o limite prudencial de gastos com folha de servidores recomendado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ao comprometer 47,3% da receita corrente líquida com salários. Esse gasto não deve ultrapassar 46,5%. O limite legal, a partir do qual pode haver sanções, é de 49%.

O presidente do Centro de Auditores Públicos Externos do TCE gaúcho, Josué Martins, estima que esse limite deve ser alcançado e ultrapassado já em novembro, quando deverá ser paga mais uma parcela do aumento concedido em 2013 a categorias da Segurança Pública. Os reajustes foram concedidos na gestão de Tarso Genro (PT) de forma escalonada até 2018. Martins defende que o estado lidere uma frente com outros estados para buscar soluções em nível federal.

“A crise não é responsabilidade dos servidores. É preciso refazer o contrato da dívida estadual, que está federalizada, e exercitar uma cobrança efetiva sobre a dívida ativa, que passa de R$ 6 bilhões. É um montante que supera os R$ 5,4 bilhões do déficit presumido para este ano. Também é preciso revisar as desonerações fiscais do estado, que ultrapassam R$ 13 bilhões”, avalia Martins.

Mas, apesar da dívida de R$ 54,8 bilhões e da pressão da folha salarial, o grande problema do Rio Grande do Sul é o gasto com a Previdência, de longe o maior índice do país. O estado gasta 31% da receita líquida com aposentados. Para cada 100 servidores na ativa, o Rio Grande do Sul contabiliza 120 aposentados. Já computado o déficit do sistema, coberto pelo Tesouro estadual, o dispêndio líquido este ano deverá passar dos R$ 9,5 bilhões.

O governo enviou um pacote de medidas à Assembleia em que prevê a criação de um sistema complementar de aposentadoria para o servidor que quiser receber acima do teto constitucional da Previdência.

Segundo o chefe da Casa Civil do governo gaúcho, Márcio Biolchi, trata-se de um “legado”. “O projeto que trata desse tema é o mais importante. Mas cabe destacar que só afeta servidores que venham a ser contratados no futuro. A Previdência chegou a um estado de insustentabilidade”, diz Biolchi.

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