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Assembleia: analistas dizem que o “voto familiar”, como o que marca o Legislativo paranaense, é uma tradição no país | Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
Assembleia: analistas dizem que o “voto familiar”, como o que marca o Legislativo paranaense, é uma tradição no país| Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo

Proximidade

Atual legislatura tem dois casos de tio e sobrinho no cargo de deputado

Ribas Carli, Miró Guimarães, Curi, Lupion, Anibelli, Maron, Leprevost e outros sobrenomes de deputados estaduais soam familiares porque estão há muito tempo em cargos públicos do Paraná. São filhos, netos, sobrinhos e irmãos de políticos que já foram igualmente deputados, conselheiros do Tribunal de Contas do Paraná (TC), prefeitos no interior. Há dois casos de tio e sobrinho que atuam na mesma legislatura: Plauto Miró Guimarães é tio de Bernardo Ribas Carli; a mesma relação de Hermas Brandão Junior e Evandro Junior – ambos familiares de Hermas Brandão, ex-presidente da Assembleia e ex-conselheiro do TC. A deputada Rose Litro tem outro tipo de relação familiar: ela é esposa de um ex-deputado, Luiz Fernandes Litro.

"A formação do capital desses políticos é quase que exclusivamente por causa dos parentes. Em alguns casos, se o parente perde o cargo, esse político também deixa de ter relevância, o que mostra que eles alcançam o cargo mais por influência do que por competência", diz o professor e cientista político Ricardo Oliveira, da UFPR.

A profusão de júnior, filho e neto nos nomes dos deputados estaduais indica a forte presença de linhagens de tradicionais famílias de políticos na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Dos 54 parlamentares, 19 (35% do total) têm relações diretas de consanguinidade com outros políticos. O desenho da "árvore genealógica" da Assembleia mostra que a tradição familiar é fator decisivo para angariar votos.

INFOGRÁFICO: Confira a 'árvore genealógica' da Assembleia Legislativa

"Ter um parente que já exerceu um cargo público torna tudo mais fácil, pois ele já tem uma rede de relações anteriores, que é uma forma de puxar votos", diz o professor e cientista político Ricardo Oliveira, da UFPR. Segundo ele, o fato de muitos parentes de políticos tradicionais ocuparem cargos eletivos é uma das causas da concentração de poder e da reprodução de um comportamento parecido entre políticos ao longo dos anos.

O novo velho

De uma forma geral, há três tipos de deputados. Uma parte das vagas é ocupada por quem tenta a reeleição, outra por quem já teve cargos eletivos ou comissionados e uma terceira parcela dos eleitos são os novatos, que correspondem à renovação do poder político. Mas, tradicionalmente no Paraná, uma parte expressiva dos novatos é de parentes de políticos já conhecidos.

"O que se vê é que os deputados novos, tanto na política quanto na idade, quase sempre pertencem às famílias tradicionais. Eles entram herdando um espólio já consolidado e não vão ter atuações muito diversas daqueles que os antecederam. O novo entra com vícios antigos", comenta Malco Camargo, cientista político da PUC-MG.

De acordo com ele, a rede de relações familiares dificulta a entrada de novas lideranças, que representariam outros setores da sociedade. "As lideranças trabalhistas ou estudantis não têm vez nessa lógica", diz.

Emendas

Além de diminuir a pluralidade de setores representados no Legislativo, a presença maciça de famílias tradicionais favorece o nepotismo, diz Ricardo Oliveira. "Há cargos em comissão que são distribuídos para aliados, que podem então empregar os familiares próximos. Essas instituições têm orçamento superdimensionado, às vezes maior que de secretarias importantes, e isso é mais um fator de influência", afirma ele.

Para Oliveira, o instrumento das emendas parlamentares acaba favorecendo a eleição dos sucessores familiares. "Um prefeito que recebeu uma emenda de um deputado fica refém daquele acordo e vai apoiar o filho, neto ou sobrinho do parlamentar no futuro. O eleitor que foi beneficiado por aquele dinheiro também vai lembrar-se disso no futuro e continuar votando naquela família, mesmo que os benefícios não sejam contínuos."

Fortalecimento da sociedade civil é alternativa ao "familismo"

A socióloga Maria do Socorro Braga, da Univer­sidade Federal de São Carlos (UFSCar), afirma que a relação entre famílias e política é recorrente no país. "O eleitor está acostumado com esse perfil, e votar nas mesmas famílias é um ingrediente da cultura política brasileira", diz. Ela explica que esse fenômeno é visto em várias democracias do mundo. "Para que isso mude, o caminho não é enfraquecer a política, mas fortalecer entidades que representam a sociedade civil."

Para o cientista político Ricardo Oliveira, da UFPR, melhorar a administração dos órgãos públicos é o caminho para resolver as distorções provocadas pela presença contínua das mesmas famílias no Legislativo. "Dar mais valor ao concurso público e menos aos cargos comissionados seria uma medida inicial para conter essas redes de apoio", diz. A democratização desses espaços, com votações abertas e portais da transparência efetivos, também pode ser a saída para o fortalecimento da Assembleia Legislativa como um órgão que reflete os anseios dos eleitores, de acordo com o professor.

Eleitor

"Quem vota fica refém das escolhas que os partidos apresentam. Eles lançam candidatos com mais chances de ser eleitos, e aí quem tem sobrenome forte é privilegiado", explica Malco Camargo, da PUC-MG. Se a lista de concorrentes não é renovada, o eleitor fica acostumado ao mesmo padrão de político, que atende pedidos e não faz mudanças mais profundas, acrescenta a professora Maria do Socorro. "O papel do eleitor é limitado. Mas ele tem de começar a pensar de forma universal, em mudanças estruturais da sociedade e não no político que atende pedidos pontuais", diz.

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