
Para o maestro João Carlos Martins, felicidade é ter conseguido tocar o Hino Nacional com apenas três dedos no Carnegie Hall, em Nova York. A apresentação em 2008 marcou a volta do músico aos palcos após dez anos e um rosário de tragédias pessoais uma queda jogando futebol e um golpe na cabeça durante um assalto que prejudicaram o movimento das mãos e interromperam a carreira de pianista. Na última quarta-feira, ele repetiu a cena no Senado.
Martins tocou o hino para encerrar uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos que discutiu a viabilidade de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para estabelecer "a busca da felicidade" como um direito do brasileiro. "Tudo começa com um sonho", justificou o maestro, defendendo a subjetividade da mudança. O projeto, apoiado pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), deve começar a tramitar nos próximos dias.
O embasamento do texto é complexo e cita exemplos de outros países, como Estados Unidos e França. "O que buscamos é que os demais direitos sociais sejam resgatados", afirmou o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), Luciano Borges dos Santos. Atualmente, estão incluídos no artigo 6.º da Constituição o direito à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados.
"É importante ressaltar que não estamos falando em direito à felicidade, mas à sua busca", explicou Buarque. Ele depende da assinatura de 27 senadores para que a PEC comece a tramitar. A ideia, no entanto, partiu do Movimento Mais Feliz, que surgiu no ano passado e se define como apartidário e não governamental.
"Começamos com o foco no voluntariado e com a intenção de melhorar a educação", diz o fundador do movimento, Mauro Motoryn. A inspiração das ações é o Bairro-Escola, projeto coordenado pela ONG Cidade Escola Aprendiz e que trabalha na recuperação de espaços urbanos ociosos para atividades educacionais. "A partir do momento que avançamos, percebemos que o problema não está no descumprimento do direito à educação, mas na falta de qualidade da educação oferecida, assim como ocorre com os outros direitos sociais."
Segundo ele, outra base do movimento é o direito à liberdade de escolha. "Não adianta só aprovar a proposta, queremos uma mudança de postura do brasileiro para que ele cobre seus direitos de uma forma muito mais consciente." Motoryn tirou lições do projeto Ficha Limpa, aprovado neste mês com o apoio de 1,6 milhão de assinaturas, e garante que conseguirá popularizar a discussão sobre felicidade.
Até agora, o movimento conquistou a adesão de dezenas de artistas, como os atores Patrícia Pillar e Cassio Reis, os cantores Toni Garrido e Margareth Menezes e o ex-jogador de futebol Sócrates. Todos atuam como "garotos-propaganda" e ajudam a popularizar a causa, à qual também se juntaram entidades ligadas ao meio jurídico como a Anadef e a Associação Nacional dos Procuradores da República. Até a semana passada, o movimento também contava com 93 "parceiros financiadores", de acordo com o site www.maisfeliz.org.
O estilo de mobilização chama a atenção, mas também gera resistências. O secretário-executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz (braço da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), Daniel Seidel, disse na audiência que a proposta até agora parece mais uma campanha de marketing. "E a sociedade brasileira vive uma ressaca do marketing, especialmente do político."
Para ele, a PEC é vazia de conteúdo e pode acabar sendo prejudicial aos demais direitos sociais previstos na Constituição. "Não é melhor falar claramente em bem-estar social, em redução da desigualdade?" Seidel também disse que seria melhor concentrar esforços em outros temas, como a aprovação da PEC do Trabalho Escravo.
Motoryn, que é publicitário, respondeu durante a audiência que não se sente desconfortável em usar o marketing a favor do movimento. "A classe artística também não vai se envergonhar. Estamos vivendo uma utopia positiva."



