• Carregando...
 | Evaristo Sá/AFP
| Foto: Evaristo Sá/AFP
  • Confira a retrospectiva dos 100 dias de governo Dilma

Brasília - Analistas e marqueteiros políticos costumam usar uma tese descrita na obra O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, para justificar como os políticos devem agir nos primeiros 100 dias de governo. A ideia é que a "maldade" precisa ser feita de uma vez no começo da gestão, enquanto a "bondade" distribuída a conta-gotas ao longo do mandato. No caso da presidente Dilma Rousseff (PT), o ciclo que se completa neste domingo foi marcado por cortes no orçamento, aumentos de impostos e da taxa de juros, mas não houve tentativas de reformas estruturantes que gerassem atrito com Poder Legislativo.

"Os primeiros 100 dias funcionam como uma espécie de armistício. É o período em que a população dá um desconto para as medidas impopulares, quando o ‘capital político’ do governante está em alta", exemplifica o professor de comunicação política da Universidade de Salamanca (Espanha) Carlos Manhanelli.

Como comprovou a pesquisa CNI/Ibope divulgada no dia 1.º de abril, o "capital" da petista está mesmo elevado – 56% dos brasileiros consideraram o governo de Dilma ótimo ou bom, melhor avaliação de início de gestão na comparação com Fernando Henrique Cardoso e Lula. Segun­­­do Manhanelli, a aprovação está relacionada a um esforço para se encaixar positivamente no ideário popular.

Ele afirma que Dilma teve a imagem moldada de maneiras distintas desde a eleição. Na campanha, foi apresentada como a "mãe" da nação, alguém preparada para assumir o legado de Lula. Após a vitória no segundo turno, houve uma mudança gradual para o perfil de gerente do governo.

"No imaginário das pessoas, ela cabe melhor como a heroína, a gerentona que resolve todos os problemas. E esse é mesmo o perfil da Dilma. Só que essa imagem não podia ser usada na campanha porque sinalizaria problemas reais no governo Lula, do qual ela fazia parte", argumenta o professor.

Mudança

A partir da posse, a presidente entrou em um processo de reclusão, o que facilitou a transformação. Logo no segundo dia do ano, um domingo, começou a despachar no Palácio do Planalto. Passou a almoçar no gabinete para não perder tempo, controlou o horário das audiências com os ministros, não demorou para apresentar as primeiras ações e cobrar resultados.

O cientista político Cláudio Gonçalves Couto, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), avalia que a presidente agiu estrategicamente ao priorizar a agenda interna do governo. "Ela não quis aproveitar o momento considerado mais fácil para lutar por alguma emenda constitucional porque preferiu colocar a máquina do seu jeito", diz Couto.

De cara, Dilma descartou a reforma da previdência e abriu mão da tributária, que será levada ao Legislativo por meio de projetos de lei – iniciativas que dependem do apoio da maioria simples dos parlamentares, enquanto as emendas precisam de três quintos dos votos. Já a reforma política ficou por conta dos próprios congressistas, que montaram comissões especiais sobre o tema na Câmara e no Senado.

O único embate governista no Congresso Nacional foi a votação do salário mínimo e Dilma conseguiu vitórias folgadas tanto na Câmara quanto no Senado. O episódio serviu também para medir a fidelidade peemedebista à presidente – todos os 77 deputados do partido votaram a favor da proposta do governo de R$ 545.

Para Couto, a estratégia de evitar desgaste com a base aliada faz sentido porque deu mais liberdade de escolha à petista. "Ela está procurando fazer mais nomeações técnicas do que políticas para o governo, o que também tem o seu preço na relação com os aliados. No fundo sempre esperam uma retribuição ao apoio no Congresso com cargos."

Economia

Enquanto as medidas políticas foram marcadas pelo "pacifismo", as econômicas ocorreram no sentido contrário. Encurralada pela alta da inflação e pela guerra cambial dominada por Estados Unidos e China, Dilma recorreu a ações impopulares. Para conter a desvalorização do real, aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para empréstimos no exterior.

O mesmo imposto também foi ampliado para compras no exterior com cartão de crédito, que bateram recorde no primeiro bimestre, e para empréstimos voltados ao consumo interno. A taxa básica de juros (Selic) subiu de 10,75% para 11,75%, o que também inibe o consumo interno e a inflação. Além disso, houve o corte de R$ 50 bilhões o orçamento da União para 2011.

O professor de economia da Universidade de Campinas Francisco Lopreato afirma que Dilma não tinha como fugir dessas medidas. "O balanço é até positivo. Tudo indicava que ela poderia ter aumentado ainda mais a taxa de juros, mas preferiu combinar outras ações, como o enxugamento do crédito interno."

Segundo Lopreato, os esforços para conter a inflação vão surtir efeito. Ele prevê que a inflação de 2011 deve ficar entre 5,6% e 5,8%, acima da meta de 4,5% traçada pela equipe econômica, mas abaixo dos 6,7% previstos em análises mais pessimistas. "Para mim, o grande desafio agora é o câmbio. E isso sim vai exigir medidas mais duras."

Como a cotação do dólar ficou abaixo de R$ 1,60 na semana passada, mesmo com novas intervenções do governo, a tendência é haver um aumento ainda maior do controle de capitais. "É algo complexo e que também tem efeitos ruins", afirma Lopreato. A previsão é que, pelo menos na economia, o período forçado de "maldade" vai bem além dos primeiros 100 dias.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]