
O governo italiano expressou ontem seu "profundo desgosto" pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de não extraditar o ex-ativista de esquerda Cesare Battisti, e afirmou que irá recorrer da decisão brasileira em outras instâncias internacionais, inclusive no Tribunal Internacional de Justiça de Haia (Holanda). Na quarta-feira, por seis votos a três, o STF manteve a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não extraditar Battisti.
O primeiro-ministro do país, Silvio Berlusconi, afirmou em um comunicado oficial que a decisão da Justiça brasileira "não levou em consideração a expectativa legítima de que se faça justiça, em particular para as famílias das vítimas de Battisti".
"A Itália irá continuar com sua ação e ativar as instâncias judiciais oportunas para garantir o respeito dos acordos internacionais que unem os dois países por vínculos históricos de amizade e solidariedade", disse o premiê.
Já o chefe da diplomacia italiana, Franco Frattini, anunciou que seu país "irá ativar imediatamente qualquer mecanismo jurídico possível nas instituições multilaterais competentes, em particular o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, para conseguir a revisão desta decisão que não é coerente com os princípios gerais do direito e as obrigações previstas pelo direito internacional".
Frattini declarou que a decisão tomada pelo STF "ofende o direito à justiça das vítimas dos crimes cometidos por Battisti e está em contradição com as obrigações presentes nos acordos internacionais que unem os dois países".
O ministro do Desenvolvimento Econômico da Itália, Paolo Romani, foi transparente ao comentar o tema. "O que ocorreu não tem nada a ver com as ótimas relações comerciais e industriais que nossas empresas têm com as brasileiras. Essas relações não serão alteradas", disse, evocando o pragmatismo econômico bilateral: "Nós somos o terceiro maior parceiro comercial do Brasil na Europa e o nono no mundo, com um fluxo comercial de 7,2 bilhões".
Além da negativa de extradição, o tribunal brasileiro também decidiu libertar o ex-ativista italiano, detido no país desde 2007.
Battisti foi solto na madrugada de quinta-feira, após o presidente do Supremo, Cezar Peluso, firmar a ordem de libertação.
O italiano fez parte do Proletários Armados pelo Comunismo, grupo terrorista de extrema esquerda que atuou na Itália dos anos 1970.
Hoje com 56 anos, Battisti foi condenado à revelia na Itália em 1993 à prisão perpétua por quatro mortes e tentativas de assassinato cometidos pelo grupo em que atuava. Ele sempre negou a autoria dos crimes e disse que sofreu perseguição política.
Arbitragem
Ao acionar a corte de Haia, o objetivo da Itália é buscar uma arbitragem internacional. De acordo com as convenções internacionais, o tribunal avaliará se ao conceder refúgio a Battisti o Brasil está ou não cumprindo o tratado de extradição assinado em Roma, em 1989, entre os dois países. O texto prevê que os dois estados se comprometem a entregar "pessoas que sejam procuradas pelas autoridades judiciais" ao outro país. O documento, porém, abre uma brecha usada pelo Ministério da Justiça brasileiro: a hipótese de perseguição política.
Caso Haia seja de fato acionado, o tribunal analisará se as "cláusulas de compromisso" foram desrespeitadas. A decisão tem valor coercitivo ou seja, obriga o governo condenado a cumpri-la , sob pena de que o assunto seja levado ao Conselho de Segurança, a instância máxima da Organização das Nações Unidas.
Presidência
O assessor de assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse ontem que a Itália tem direito de usar suas "prerrogativas" nos fóruns internacionais para questionar a decisão do Supremo de não extraditar Battisti. "É evidente que a Itália o tem direito de buscar suas prerrogativas."



