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Battisti deixou a prisão em Brasília e vai passar dias “em silêncio” em São Paulo | Evaristo Sá/AFP
Battisti deixou a prisão em Brasília e vai passar dias “em silêncio” em São Paulo| Foto: Evaristo Sá/AFP

Direito internacional

Recurso será improdutivo

A ameaça do governo da Itália de contestar, no Tribunal Internacional de Haia, a decisão brasileira de não extraditar Cesare Battisti, é possível pelas regras do direito internacional. Especialistas consultados pela Gazeta do Povo acreditam, porém, ser difícil o tribunal reverter a permanência do italiano no Brasil. Apesar disso, a corte pode condenar o país e causar um constrangimento.

Para o professor de Direito Internacional Paulo Borba Casella, da Universidade de São Paulo, se a Itália levar adiante o recurso na Corte de Haia é provável que o Brasil perca a discussão judicial por ter descumprido os acordos internacionais com a Itália, o que não representa que o país tenha de rever a decisão do STF. Para ele, uma condenação em Haia irá gerar um constrangimento político.

O promotor de Justiça em Mato Grosso do Sul José Aparecido Rigato acredita que a ameaça italiana de recorrer a Haia possa ser uma "bravata".

Opinião

Italianos de mãos atadas

O Brasil decepcionou uma nação inteira. Na Itália, as vozes em defesa de Cesare Battisti são sussurros perto do coro generalizado que torcia pela extradição. A decisão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim de 2010 foi um duro golpe – a reportagem da Gazeta do Povo constatou isso in loco, em janeiro, quando produziu uma série especial sobre o assunto. Havia então ceticismo, mas também esperança em uma reviravolta do caso no Supremo Tribunal Federal (STF) ou mesmo por intervenção da presidente Dilma Rousseff.

Nada disso ocorreu e agora Battisti está solto. Não há palavras adequadas para explicar o sentimento dos italianos com esse desfecho. A decepção não é só dos familiares das quatro vítimas mortas pelo PAC – grupo ao qual Battisti pertencia e responsável por pelo menos quatro homicídios. Quase todos os italianos estavam unidos no sonho de ver a justiça ser feita. Para eles, Battisti é um terrorista, pois fez parte de um grupo de guerrilha que combatia um governo eleito de forma democrática e legítima no fim dos anos 70.

Battisti foi preso, fugiu e por isso foi julgado à revelia. Assim como muitos outros, foi condenado à prisão perpétua (na prática, a Itália limita a detenção a 26 anos), pena confirmada por tribunais superiores. Berlusconi – a cada mês envolvido em um escândalo sexual ou em uma suspeita de fraude fiscal – tem lá suas desavenças com as leis, mas a maioria dos italianos apoia o Poder Judiciário.

Lula, quando negou a extradição de Battisti, desrespeitou todos os magistrados e o povo italiano de forma geral. Não foi o único. Na quarta-feira, os ministros do STF confirmaram a decisão do ex-presidente sob a justificativa da soberania nacional – o que pode ter sido o caminho mais correto, juridicamente. Mas não faz sentido, já que a maioria deles era favorável à extradição do italiano no julgamento realizado em 2009.

Os brasileiros descontentes com a conclusão do caso pelo menos têm outros mecanismos importantes para se expressar, como o voto. E quem exerce a cidadania fora do período eleitoral pode ainda se mobilizar para exigir alterações no Judiciário, por exemplo.

Mas e os italianos? O que podem fazer além de reclamar, criticar e xingar o Brasil, o Supremo e o ex-presidente Lula? O governo da Itália vai recorrer ao Tribunal de Haia, mas o cidadão comum está de mãos atadas, porque em Brasília concluíram que a nossa soberania nacional é mais importante que a deles.

Rosana Félix, repórter da Gazeta do Povo

O governo italiano expressou ontem seu "profundo desgosto" pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de não extraditar o ex-ativista de esquerda Cesare Battisti, e afirmou que irá recorrer da decisão brasileira em outras instâncias internacionais, inclusive no Tribunal Internacional de Justiça de Haia (Holanda). Na quarta-feira, por seis votos a três, o STF manteve a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não extraditar Battisti.

O primeiro-ministro do país, Silvio Berlusconi, afirmou em um comunicado oficial que a decisão da Justiça brasileira "não levou em consideração a expectativa legítima de que se faça justiça, em particular para as famílias das vítimas de Battisti".

"A Itália irá continuar com sua ação e ativar as instâncias judiciais oportunas para garantir o respeito dos acordos internacionais que unem os dois países por vínculos históricos de amizade e solidariedade", disse o premiê.

Já o chefe da diplomacia italiana, Franco Frattini, anunciou que seu país "irá ativar imediatamente qualquer mecanismo jurídico possível nas instituições multilaterais competentes, em particular o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, para conseguir a revisão desta decisão que não é coerente com os princípios gerais do direito e as obrigações previstas pelo direito internacional".

Frattini declarou que a decisão tomada pelo STF "ofende o direito à justiça das vítimas dos crimes cometidos por Battisti e está em contradição com as obrigações presentes nos acordos internacionais que unem os dois países".

O ministro do Desenvol­vimento Econômico da Itália, Paolo Romani, foi transparente ao comentar o tema. "O que ocorreu não tem nada a ver com as ótimas relações comerciais e industriais que nossas empresas têm com as brasileiras. Essas relações não serão alteradas", disse, evocando o pragmatismo econômico bilateral: "Nós somos o terceiro maior parceiro comercial do Brasil na Europa e o nono no mundo, com um fluxo comercial de € 7,2 bilhões".

Além da negativa de extradição, o tribunal brasileiro também decidiu libertar o ex-ativista italiano, detido no país desde 2007.

Battisti foi solto na madrugada de quinta-feira, após o presidente do Supremo, Cezar Peluso, firmar a ordem de libertação.

O italiano fez parte do Proletá­­­rios Armados pelo Comunismo, grupo terrorista de extrema esquerda que atuou na Itália dos anos 1970.

Hoje com 56 anos, Battisti foi condenado à revelia na Itália em 1993 à prisão perpétua por quatro mortes e tentativas de assassinato cometidos pelo grupo em que atuava. Ele sempre negou a autoria dos crimes e disse que sofreu perseguição política.

Arbitragem

Ao acionar a corte de Haia, o objetivo da Itália é buscar uma arbitragem internacional. De acordo com as convenções internacionais, o tribunal avaliará se ao conceder refúgio a Battisti o Brasil está ou não cumprindo o tratado de extradição assinado em Roma, em 1989, entre os dois países. O texto prevê que os dois estados se comprometem a entregar "pessoas que sejam procuradas pelas autoridades judiciais" ao outro país. O documento, porém, abre uma brecha usada pelo Ministério da Justiça brasileiro: a hipótese de perseguição política.

Caso Haia seja de fato acionado, o tribunal analisará se as "cláusulas de compromisso" foram desrespeitadas. A decisão tem valor coercitivo – ou seja, obriga o governo condenado a cumpri-la –, sob pena de que o assunto seja levado ao Conselho de Segurança, a instância máxima da Organização das Nações Unidas.

Presidência

O assessor de assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse ontem que a Itália tem direito de usar suas "prerrogativas" nos fóruns internacionais para questionar a decisão do Supremo de não extraditar Battisti. "É evidente que a Itália o tem direito de buscar suas prerrogativas."

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