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No país, aproximadamente 60% das ações que tramitam nos tribunais superiores têm cunho administrativo. Inclusas nesse montante, ações na área do direito ambiental, tributário e econômico, e outros, ramos que se desdobram do direito administrativo. Mas, tenho dificuldade de entender a insistência de autoridades judiciárias, que atuam no ramo do direito processual, em propor a diminuição das possibilidades recursais.

No Direito, quando se atinge uma certa idade, é muito comum a proliferação de convites para compor conselhos, notadamente os de deliberação. Em alguns onde minha participação foi requisitada, travaram-se discussões envolvendo magistrados, procuradores e membros do Ministério Público, asseverando que o objetivo a ser perseguido consistia na "obstação" das vias recursais como meio de desafogar os tribunais superiores. Este tipo de assunto, para mim, com todo o respeito, revela-se conversa fiada.

Disponho de um diagnóstico muito sério e imagino que nem todos possam concordar comigo, mas é algo que defendo há muito tempo: o grande problema no Brasil, a causar esta enxurrada de ações judiciais, está intimamente ligado a incompetência da administração pública, a ineficiência do administrador.

O que é a administração pública? É um aparelhamento criado pelo Estado para, eficientemente e na forma da lei, dar consecução aos seus objetivos. A administração age procedimentalmente e o procedimento é a forma de concretização do agir estatal. Estabelece-se, através do procedimento, um diálogo entre a administração e o destinatário de seus atos, para a busca de um resultado satisfatório e legal.

Dispomos de uma Lei de Processo Administrativo no plano federal, a Lei 9.784/94, de onde extraímos o dever do agente público de decidir bem e fundamentadamente. E que espetáculo nós assistimos? Ou o administrador se omite, não decide, ou decide mal, ou decide sem qualquer fundamentação. Essa atitude leva os destinatários do ato do administrador ou da omissão do administrador a buscar seus desideratos no Poder Judiciário. Revela-se impressionante constatar que em 60% dos recursos que tramitam nos tribunais, as entidades federativas são autoras, rés, assistentes ou opoentes. Na maioria dos casos, os autores são cidadãos brasileiros inconformados com as atitudes da administração pública, que desmerecendo os princípios da lealdade e da confiança legítima, insiste em frustrar suas justas expectativas.

Fosse o administrador público de um modo geral, competente, eficiente, preparado para o exercício da função que exerce, o Judiciário não estaria abarrotado de processos. É preciso acabar com essa anomalia. Portanto, não passa de uma farsa a afirmação que a multiplicidade de oportunidades recursais é responsável pelo abarrotamento dos tribunais. A Constituição Federal elevou o acesso à Justiça, um direito fundamental intangível. Ninguém pode ser privado de sua liberdade e de seus bens sem o devido processo legal. É assegurado em processo judicial ou administrativo o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos inerentes. Como passar por cima desse mandamento, deste direito fundamental, a pretexto de desafogar os tribunais? Na verdade, o problema é outro. No Brasil sempre estamos querendo dar o segundo passo antes de dar o primeiro.

Por que estou falando tudo isso? Porque a maior parte dos problemas que enfrentamos, nós, advogados, decorre dessa anomalia. Não há como negar que muitas questões que são levadas a juízo poderiam ser resolvidas na instância administrativa, houvesse eficiência e coragem da autoridade para decidir. Questões, envolvendo, por exemplo, direitos inobjetáveis de servidores públicos, matérias tributárias incontroversas, direito a reajuste de contratos, fazem parte de um rol de pleitos em que não tem como haver decisão desfavorável. Por que somos compelidos a buscar o amparo do Judiciário, sendo certo que, em grande parte das vezes, já existe posição jurisprudencial consolidada? Porque a autoridade administrativa, com exceções louváveis, ou é movida pela compulsão procrastinatória, ou tem receio de decidir, medo de enfrentar a opinião pública. É uma autoridade que não preparada para o exercício das funções, cria um clima de sobressalto, de surpresa no âmbito da administração, cuja atuação – até porque jungida ao princípio da legalidade – deve ser timbrada pela previsibilidade.

O princípio da segurança das relações jurídicas, gravemente afrontado por agentes públicos adeptos da atitude contemplativa ou decisória ineficiente, deve ser buscado na via judicial, com todos os percalços e obstáculos impostos pelo direito processual ao alcance da verdade material e muitas vezes o despreparo do julgador (decorrente da não especialização) para apreciar a matéria administrativa. Essa é a dura realidade.

Romeu Felipe Bacellar Filho, advogado, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor da UFPR e PUCPR.

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