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1. Para que serve um Código?

Essa instigante pergunta já foi respondida duas vezes pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). No editorial de agosto de 1998, o texto assinado pela diretoria rejeitou o anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas instituída pelo Ministro da Justiça Iris Rezende e publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 25 de março daquele ano. E agora, no editorial de fevereiro de 2012, o mesmo critério de avaliação e a mesma linha crítica foram mantidos.

2. A valiosa e indispensável opinião do IBCCrim

A maior entidade de representação acadêmica e profissional dos assuntos do Direito e da Justiça na América Latina aponta cinco grandes finalidades de um novo Código Penal (CP): a) garantia; b) ordenação dos bens jurídicos; c) compilação; d) reorientação; e) transformação.

3. A missão de garantia

A missão garantidora é traduzida pela "sistematização racional da lei como exigência do próprio princípio de legalidade" consagrado historicamente nas constituições brasileiras desde a Carta Política imperial (1824) e mantendo-se nas demais (1891, 1934, 1946, 1967, 1969 e 1988) e nas Declarações de Direitos, que têm como primeira referência a Magna Carta britânica (1215) e muitas outras, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). A fórmula racional sintética do princípio da legalidade que está na consciência jurídica nacional e estrangeira tem sua raiz no Direito Romano, sancionado pelo Digesto do jurisconsulto Ulpiano (?-228), com o mandamento: nullum crimen nulla poena sine praevia lege penali.

4. A seleção de bens protegidos

A função ordenadora seleciona os bens jurídicos mais relevantes ao homem, à sociedade e ao Estado, cuja proteção é exercida com a aplicação das penas e medidas de segurança como reação às infrações penais. São bens jurídicos os valores ético-sociais declarados pela Constituição e legislação ordinária através dos códigos (Penal, Civil, Comercial etc.). A nossa lei fundamental garante a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança, propriedade e muitos outros que não constam do art. 5º, mas compõem imensa variedade: saúde, defesa da intimidade, vida privada, honra, imagem, lazer, consumidor, etc.

5. A função compiladora

Um Código Penal precisa consolidar as leis vigentes no país. Essa operação pode ser total ou parcial. A primeira sintetiza todas as leis vigentes "em um único corpo, organizando-as e sistematizando-as", na apropriada síntese do IBCCrim. Na reforma ora em curso, um dos problemas a ser enfrentado é o da tentativa de uma Consolidação das Leis Penais, ou seja, reunir todas as leis especiais na Parte Especial, tarefa extremamente complexa. Em nosso país, apesar de algumas tentativas com anteprojetos anteriores (1983, 1994 e 1998), essa obra colossal não foi realizada a exemplo da primeira Consolidação, feita em 1932 pelo extraordinário trabalho do Desembargador Vicente Piragibe (1879-1959). O documento, conhecido como Código Piragibe, foi aplicado em substituição ao Código Penal de 1891, até o advento do CP vigente (Dec.-lei nº 2.848/1940).

6. A necessidade de reorientação

Para o IBCCrim – e a comunidade de operadores jurídicos que representa – um novo diploma penal deve reorientar os interesses coletivos de um tempo e de um lugar. Esse é mais um grande desafio que exige prática da inteligência emocional para equacionar dogmaticamente as situações fáticas em função dos novos apelos sociais de segurança e justiça e das tendências verificadas em outros países de cultura assemelhada ao nosso.

7. É preciso mudar o que precisa ser mudado

"Mudam-se os tempos/ mudam-se as vontades/Muda-se o ser/Muda-se a confiança/Todo o mundo é composto de mudança/Tomando sempre as novas qualidades", Luís de Camões (1524-1580).

A finalidade transformadora de um código não precisa e nem deve ser radical ao ponto de salgar a terra dos textos anteriores. Elaborar um código não é inventar a roda. É fazer a distinção entre o que está produzindo bons resultados para aprimorá-los, ao contrário das leis que não saíram do papel. Mas só com a experiência do mundo, da vida e dos homens é possível alcançar o mérito de bom legislador. Afinal, como disse Julio Cesar (101-44 a.C.), "a experiência é a mestra de todas as coisas" (A Guerra Civil).

8.A perspectiva do direito a constituir

Quais serão as respostas para as exigências acima com a atual reforma que partiu do Senado Federal? Será possível conciliar os interesses midiáticos de parlamentares que recorrem ao discurso político do crime, principalmente em ano eleitoral, com os interesses e as propostas de um sistema penal melhor afeiçoado à condição humana e à proteção efetiva dos bens e valores essenciais consagrados em nossa lei fundamental?

Só o tempo dirá.

René Ariel Dotti, advogado, professor de Direito Penal, Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007) e membro da Comissão do Senado Federal para a reforma do Código Penal.

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