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Com a proposta de se criar uma lei para regularizar a questão do trabalho terceirizado (PL 4330/2004, do deputado Sandro Mabel), muitos debates têm sido promovidos pela sociedade civil organizada sobre terceirização. Atualmente, não há no Brasil uma lei específica sobre o tema, razão pela qual a matéria foi regulamentada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da edição da Súmula 331, que tem como objetivo diminuir a discussão e orientar os julgados sobre a matéria.

O PL 4330/04 foi apresentado como a panaceia necessária para equilibrar as relações de trabalho, estancar a sangria econômica das empresas e possibilitar a competitividade com concorrentes externos. Apesar das boas intenções inseridas no texto, o projeto não traz qualquer evolução às relações de trabalho; ao contrário, incrementa o viés civilista da livre contratação baseado na igualdade de condições entre os contratantes e a disponibilidade patrimonial.

O Direito do Trabalho se equilibra em princípios próprios, que distinguem a capacidade econômica de empregados e empregadores, assegurando aos primeiros garantias mínimas de cidadania e civilidade.

No Direito Civil, por exemplo, as partes podem estabelecer qualquer tipo de contrato, com força de lei, desde que o objeto não seja ilícito. No Direito do Trabalho a livre negociação não vigora, porque as garantias e direitos estão baseados em normas de ordem pública, irrenunciáveis e inegociáveis.

Com isso, nenhum trabalhador pode renunciar ao direito de receber o valor mínimo estabalecido em lei; o que, em tese, elimina a possibilidade de que outros trabalhadores mais necessitados abram mão das mesmas garantias, a ponto de se renderem à troca do trabalho por comida e moradia, resultando num retrocesso histórico pré-1888.

Entre as garantias propostas, o projeto de lei simplesmente repete o que a jurisprudência já consolidou. Não há avanço significativo. Um dos exemplos é que a lei proposta por Mabel garantiria a responsabilidade subsidiária do tomador do serviço, algo que já está no enunciado da Súmula 331 desde 1986, quando ela ainda era a Súmula 256.

Hoje, a discussão mais acirrada gira em torno da definição do que é atividade meio ou atividade fim, questão que a súmula (sabiamente) não definiu.

Sustentando que o TST regulamentou a terceirização contrariando os princípios da legalidade e da livre concorrência, algumas empresas questionam no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da Súmula 331; postulando, direta ou indiretamente, que se reconheça o direito das empresas contratarem tantos trabalhadores terceirizados quanto quiserem. Caso a tese patronal prevaleça naquela corte, sofreremos um retrocesso gigantesco em toda a construção doutrinária que possibilitou o muito tênue e ainda precário equilíbro entre capital e trabalho.

No meio dessa discussão, as associações de magistrados defendem a manutenção da Súmula 331, do TST, que durante os últimos anos garantiu a segurança jurídica e patrimonial de milhões de trabalhadores, proporcionando limites lógicos para a interpretação do que é ou não atividade finalista em cada um dos setores produtivos.

Em verdade, a discussão sobre a terceirização apenas revela a existência de outros problemas tão ou mais graves em nossa sociedade. Em um país onde existem milhares de trabalhadores em condições de trabalho análogas às da escravidão, se faz urgente a criação de uma consciência social ancorada no princípio primordial da dignidade humana.

O empresariado brasileiro teme perder competividade caso as atividades terceirizadas sejam restringidas, traçando um paralelo com o sucesso econômico da China.

Há aproximadamente 20 anos, para poderem concorrer com os chamados Tigres Asiáticos (Japão e Coreia do Sul, principalmente), várias indústrias americanas deslocaram suas fábricas – ou simplesmente terceirizaram a produção – para a China, em busca de mão de obra barata e o consequente barateamento de seus produtos. A recente recessão americana é um reflexo daquele movimento que elevou o nível de desemprego a patamares históricos.

Assim, a história nos mostra que não é recomendável apostar no crescimento econômico amparado apenas no barateamento da mão de obra e em desrespeito às mínimas regras civilizatórias, incluindo a proteção ambiental. Ou seja, será impossível concorrer com a China enquanto aquele país não contar com normas de proteção trabalhista e ambiental, as quais, naturalmente, encarecem o produto final.

Devemos aprender a olhar para a Noruega, onde o salário mínimo equivale a US$ 4.800 (algo em torno de R$ 14 mil) e é o país com os melhores índices socioeconômicos e educacionais do planeta. Com certeza a Noruega não consegue competir com a China, seja em produtos manufaturados ou em qualquer outro tipo de produção. Porém, o país mantém um nível social elevadíssimo por conta da alta tributação e da presença ostensiva do Estado em todas as etapas da vida do indivíduo.

O Brasil precisa de uma fiscalização muito mais eficiente do que a atual para eliminar o mau concorrente do mercado, aquele que quer sobreviver à margem da legislação, que busca meios de baratear seu custo sem ter encargo social algum. Isso é impossível. Para ter uma atividade lícita é preciso estar dentro de padrões lícitos de concorrência e de sobrevivência.

Aceitar o benefício econômico como uma regra geral de estilo de vida ou de padrão social seria um retorno à escravatura. A ideia de democracia fica esmorecida com isso. Há de se buscar formas de adaptação. Alguns setores precisam de maior incremento, de maior ajuda econômica do Estado. Não podemos aceitar a precarização das relações de trabalho em prol da viabilidade da atividade econômica.

Paulo da Cunha Boal, juiz do Trabalho, é vice-presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Amatra IX).

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