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No dia 19 de setembro 2013, entrou em vigor a Lei 12.850/2013, dispondo em especial sobre a repressão ao crime organizado e regulando algumas técnicas especiais de investigação (TEI), a exemplo da colaboração premiada, ação controlada e infiltração de agentes. Mas o que são esses métodos, afinal?

Dá-se o nome de técnicas especiais de investigação aos meios de prova ou de obtenção de elementos de prova utilizados quando da inviabilidade de os obtê-los por intermédio dos instrumentos investigativos convencionais, insuficientes para dar corpo ao dever de proteção e direito à segurança principalmente em face das características estruturais do crime organizado e da complexidade dos delitos econômicos e transnacionais cometidos por grupos dessa espécie.

Em meio a discussões quanto à gravidade das revelações feitas por Edward Snowden sobre a desmedida coleta eletrônica de informações pelo governo dos Estados Unidos por meio da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), afetando a soberania de diversos países, inclusive a do Brasil, é fora de dúvida que o bom emprego das inovações tecnológicas traz facilidades à vida, inovações essas que amplificaram a velocidade e o fluxo de pessoas e bens entre várias regiões do globo. Lamentavelmente, porém, também se constata o seu manejo com propósitos ilícitos, em prejuízo da sociedade e dos valores constitucionalmente consagrados, tendo em vista que a versatilidade das tecnologias da informação e das comunicações viabilizou espaços e composições favoráveis ao cometimento de delitos patrimoniais e contra a ordem socioeconômica.

Descortinaram-se oportunidades para mais agilmente serem ocultados ganhos, de maneira a impedir ou erigir maiores obstáculos à ação das autoridades públicas. Ao apertar uma tecla, em uma fração de segundos envia-se o produto da atividade criminosa a um país distante, não raro intensificando a dificuldade ou até mesmo impossibilitando o rastreamento dessas somas mediante a realização de sucessivas e complexas transações financeiras ou corporativas. Afinal de contas, em um mundo globalizado, a vizinhança é logo ali. Com o incremento dos delitos transnacionais, a comunidade internacional buscou construir, principalmente por meio de tratados bilaterais ou multilaterais, um sistema global de prevenção e repressão, do qual despontam a Convenção de Viena de 1988, a Convenção de Palermo e a Convenção de Mérida como fundamentos normativos internacionais das TEI.

É imperativo de estatura constitucional que o Estado, além de não violar os direitos humanos, aja de maneira a promovê-los e protegê-los, inclusive valendo-se do direito penal e processual penal, quando necessidade houver. Ao possibilitar que sejam supridas insuficiências ou inaptidões dos tradicionais meios de prova ou de obtenção de elementos de prova na apuração e persecução penal, a utilização das TEI atende a mandamentos constitucionais e compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional. Ela também qualifica a tutela preventiva e repressiva de bens jurídicos caros à sociedade, preservando o Estado Democrático de Direito. Nessa perspectiva, a omissão estatal corresponde à violação de tais direitos, contexto no qual estão os direitos à segurança, à paz e à liberdade.

Essa sintonia com a Constituição obviamente também deve se dar quanto aos limites da utilização desses instrumentos investigativos em face dos parâmetros do Estado Democrático de Direito. São ferramentas cujo manejo não pode ser vulgarizado, pois lidam com direitos sensíveis, como a vida e a privacidade, e comportam graves riscos, a exemplo das circunstâncias que envolvem colaboradores da Justiça e testemunhas de delitos praticados por organizações criminosas, o que, no ponto, eleva a importância da existência de um especial sistema de proteção.

Lançar mão de instrumentos processuais penais como as TEI, alicerçadas no imprescindível respeito à dignidade da pessoa humana e voltadas a tutelar a paz e a segurança, significa um atuar estatal pautado em princípios democráticos com vistas a uma política criminal destinada a concretizar o programa constitucional por meio de uma tutela jurisdicional efetiva.

Com a presença ou não das técnicas especiais de investigação, certamente não se conseguirá eliminar a criminalidade, reduzi-la a zero no plano nacional ou global. No entanto, inegavelmente são destacados meios de prevenção e repressão aos crimes em que o uso dessas medidas se apresente necessário, de forma que os ilícitos penais sejam reduzidos a um patamar hábil a ser considerado socialmente tolerável, sem maiores afetações nas estruturas sociais e institucionais.

Danilo Andreato, professor adjunto das Faculdades Santa Cruz, é mestre em Direito (PUC/PR).

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