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Os protestos havidos em junho em todo o país, que se consolidaram no pleito pela efetividade dos mais caros direitos fundamentais vigentes, trazem ao debate tanto as práticas democráticas quanto as suas distorções, por uma minoria.

A ânsia por uma democracia direta e participativa se expressa pela consciência política e pelo envolvimento, reforçando, assim, o papel da soberania popular, sem a qual não é possível sequer a existência de uma ordem jurídica legítima e, efetivamente, humana e comunitária, com os riscos e acertos da convivência.

Por um lado, verifica-se o exercício regular da cidadania e, por outro, a expressão de uma anomia evidenciada em depredações de bens públicos e lesões corporais diversas, tanto dos cidadãos quanto dos policiais envolvidos, conforme amplamente noticiado, o que gera aprovações e reprovações do movimento pela opinião pública, segundo o enfoque dado.

Além desses pontos demonstrados pela comoção, ficam latentes questões mais delicadas e diretamente vinculadas à confiança democrática – estado de espírito dos cidadãos imprescindível para a consolidação, estabilidade e aperfeiçoamento das instituições democráticas, estas meios institucionais próprios para a promoção e proteção dos direitos fundamentais com o máximo de garantias e o mínimo de violência.

Por exemplo: institucionalmente, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (RE-228177, Informativo STF 568), o caminho para se impugnar o valor da tarifa do transporte coletivo público, acaso reputado abusivo, é o da tutela coletiva, via ação civil pública, cuja legitimidade para propositura é do Ministério Público Estadual. A proteção dos consumidores usuários, assim, se faz na dimensão de tutela do interesse difuso, de titularidade indeterminada do grupo de usuários, cabendo ao Poder Judiciário o controle dos atos e contratos do poder público municipal, em específico a concessão questionada.

A alternativa institucional, assim, é clara, e, por meio do protesto político, se expressa uma tentativa de se fazer ouvir um pleito que não pela representação assegurada constitucional e legalmente. Essa opção coletiva pelas ruas, pois, revela potencialmente um sintoma anterior, muito provavelmente o da desconfiança, eis que, para alcançar o objetivo prático, há instrumentos técnicos assegurados, aos quais, contudo, não se recorre ou pelos quais não se satisfaz.

Com isso, tem-se indício de relação de desconfiança dos cidadãos nas instituições públicas a que se submetem, o que advém de potencial insatisfação com a dinâmica do regime democrático, influenciando diretamente o apoio a esse modo de fazer política e a cultura cívica então erigida em torno das percepções. Legitimação, satisfação e confiança política entram em pauta para se pensar a continuidade democrática.

Estudiosos de ciência política compreendem que as consequências da desconfiança são a busca de regimes com menor representatividade, assim como a indiferença política e a preferência por formas autoritárias e afirmação das supostas virtudes desses sistemas e seus pressupostos paternalistas, clientelistas e personalistas. Ao mesmo tempo, compreende-se que a ameaça real adviria não apenas da percepção subjetiva da desconfiança, mas da presença de coalizões antidemocráticas organizadas e determinadas à ameaça democrática.

As notícias recentes e o recuo histórico permitem verificar que o cenário de decorrência da desconfiança também pode se mostrar com a busca de reafirmação da democracia participativa, sendo seguro que o fomento da confiança é decisivo para a manutenção e expansão da democracia representativa.

Conforme a cientista política americana Pippa Norris, que fornece um critério útil para avaliação do cenário atual: "cidadãos críticos" são aqueles capazes de distinguir a avaliação do regime vigente da figura dos políticos que muitas vezes degeneram esses regimes. Tais cidadãos, embora desconfiem em algum momento das instituições, mantêm a confiança na democracia. Rejeitam-se, portanto, os agentes e governantes irresponsáveis, e se mantém o apego ao projeto constitucional democrático, com todas as práticas, valores e instituições construídos em torno dessa forma, que se pretende assegurar e avançar.

Diante disso, é imperativa a diferenciação crítica de Estado e governo, com a ponderação daquele sobre este na reafirmação e consolidação dos valores que determinam a racionalidade institucional democrática, fruto de trabalho hermenêutico. Protege-se, assim, o amplo rol de legitimidade fornecido pelos direitos subjetivos, humanos e fundamentais, inscritos no orbe do direito objetivo, sem se olvidar das utilidades práticas das instituições democráticas, caminho para resolução garantista dos problemas da vida política. É a partir deste critério que se pode discernir o pleito democrático por confiança da manifestação anômica.

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