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Quem deve aprovar as cotas?

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) analisou, na noite de 19 de junho, a proposta da criação de cotas raciais no Judiciário. O relator, Jefferson Kravchychyn, enfatizou que o CNJ não tem competência para julgar a questão. Segundo ele, é necessária a alteração da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lo­­man) através de lei federal.

O conselheiro, entretanto, corroborou a importância da discussão e informou que o CNJ vai estudar a demanda e o formato ideal de oferta de cotas raciais no Poder Judiciário. O estudo será concluído em 120 dias. "Não podemos apoiar uma medida como essa na base do achômetro ou em convicções políticas, temos de ter em mãos um estudo aprofundado da questão", considera.

A resposta do CNJ desagradou o advogado Valério de Oliveira Mazzuoli, que defendeu a proposta na sessão do CNJ. Ele disse que baseou sua defesa no princípio constitucional da vedação ao retrocesso.

O desembargador do Tri­­bu­­nal de Justiça do Paraná José Sebastião Fagundes Cunha – esposo da advogada Juliene Cunha, indígena da etnia kapinawa, que apresentou a proposta no CNJ – classificou como absurda a posição dos conselheiros. Ele lembra que o Brasil já é signatário de convenções internacionais que preveem a inclusão social de negros e índios. Desta forma, segundo ele, não seria necessária uma lei interna para disciplinar a questão. "É um absurdo, um retrocesso, uma ação indevida do CNJ que quebra o princípio federativo e invade uma seara onde não se precisa de lei", considera.

Para frei Davi, uma das lideranças do movimento negro no Brasil e diretor-executivo da Educafro, há uma má interpretação do Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em 2010. "O poder público deve promover ações de igualdade de oportunidades para os negros, já está tudo definido em lei", aponta.

A interpretação do poder público visando a inclusão racial já parece ter se consolidado em outros setores. Hoje, 196 instituições de ensino superior já oferecem cotas para negros, conforme dados da Educafro. Em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional o sistema de cotas raciais. No ano passado, o Ministério das Relações Exteriores adotou cotas para negros no concurso para diplomatas. Nos Estados Unidos, as políticas afirmativas já são adotadas há 50 anos e, na Bolívia, há um tribunal indígena para atender as causas das etnias. (MGS)

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A instituição de cotas para as chamadas minorias já é velha conhecida em processos seletivos, mas a discussão chega agora ao Poder Judiciário, causando polêmica. É oportuno usar a desigualdade social como um critério de seleção de magistrados? E quem ou qual instrumento legal deve servir para ditar as regras da implantação das cotas?

As políticas de ações afirmativas, nas quais se enquadram as cotas, são recentes no Brasil. Desde os anos 90, surgem leis e programas que favorecem a inclusão de índios, pessoas com deficiência e afro-brasileiros no ensino superior e nos serviços públicos e privados. Em 1995, o acesso aos Poderes Executivo e Legislativo foi incrementado com a cota de 20% para candidaturas femininas nos partidos políticos. Em 1997, essa porcentagem foi, ainda, elevada para 30%.

A proposta de criação de cotas para o Poder Judiciário foi apresentada em junho no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e é de autoria da advogada Juliene Vieira Lima Fagundes Cunha, indígena da etnia kapinawa.

O advogado Valério de Oliveira Mazzuoli, pro­­fessor das áreas de Direito Internacional e Constitucional da Uni­­versidade Federal de Mato Grosso (UFMT), fez a defesa da proposta no CNJ. "Isso é importante porque resgata a cidadania perdida no Brasil e paga uma dívida histórica a negros e índios que sempre foram discriminados e injustiçados", defende.

Outros poderes

A possibilidade de instituição de cotas para ingresso no Poder Judiciário, abre a discussão sobre a possbilidade de ampliação desta ferramenta para outros poderes. Se a proposta for expandida, criando-se cotas não apenas para candidaturas, por exemplo, mas diretamente para os cargos do Executivo e do Lesgislativo, quais devem ser os impactos?

O presidente da Asso­­cia­­ção dos Magistrados do Paraná (Amapar), juiz Fernando Ganem, vê a necessidade de maior discussão do assunto. "Numa democracia, qualquer pessoa tem a chance de ser eleito, acho que nos cargos eletivos o sistema de cotas setoriza demais o processo", afirma. Ganem lembra que, nas cotas para mulheres na composição das filiações partidárias, os partidos têm dificuldades para atender à regra porque não há demanda.

Ganem, no entanto, defende a proposta para o Poder Judiciário. "As cotas devem ser estendidas a todos os setores e o Judiciário se inclui nisso", diz. O vice-presidente de assuntos culturais da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rosalvo Augusto Vieira da Silva, é da mesma opinião. "A experiência nas universidades tem oportunizado a muitos negros melhores condições de trabalho, acho que isso é um resgate histórico e deve ser utilizado em todos os concursos, para magistrados inclusive", aponta, lembrando que o assunto ainda não foi internamente discutido na AMB.

O professor de Direito Constitucional na Uni­­Brasil e na Uni­­ver­­sidade Federal do Paraná (UFPR), Clèmerson Merlin Clève, apoia a implantação de cotas no acesso às universidades, porém, questiona a validade do sistema nos concursos no Judiciário ou em outros poderes. "As universidades formam igualmente todas as pessoas para os concursos públicos, portanto, nas universidades o sistema de cotas faz sentido", opina Clève.

O professor da mesma área na UFPR, Egon Bockmann Moreira, atenta para o fato que a instituição de cotas deve ser bem estudada. "O mais adequado seria que houvesse uma legislação que determinasse a política de cotas, mostrando quanto ela deveria durar e qual a meta ela iria atingir", comenta, lembrando, no entanto, que a desigualdade existente hoje pode ser agravada com a espera por um instrumento legal.

TJ-PR prevê cotas raciais em concurso

O concurso público aberto neste ano para a contratação de servidores e juízes substitutos para o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) prevê a reserva de 5% de vagas para portadores de deficiência e 10% para negros. No que se refere à cota racial, a porcentagem representa cinco vagas para afro-brasileiros para a magistratura e duas vagas para assessores jurídicos. A assessoria de comunicação do TJ-PR informou que a reserva se baseia em leis vigentes.

No caso das cotas raciais, o fundamento está na lei 14.274, de 2003, da Assembleia Legislativa. A lei prevê, no artigo 1º, que a reserva seja concedida em concursos públicos do poder público estadual. A cota suscitou críticas do conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Jefferson Luis Kravchychyn, que foi relator da proposta de cotas raciais no Judiciário.

Ele propõe que a Cor­­regedoria Nacional de Justiça investigue a conduta do TJ-PR "por se visualizar aparente ilegalidade" na oferta das cotas, uma vez que seria necessária a alteração da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) através de lei federal. Porém, conforme a assessoria de comunicação, ainda não houve pedido de investigação.

A reserva de vagas para afro-brasileiros em concursos públicos, de modo geral, já é prevista em leis estaduais no Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O vice-presidente de assuntos culturais na Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rosalvo Augusto Vieira da Silva, considera, no entanto, que as leis estaduais não incidem na magistratura, embora ele seja simpático à proposta. "O Poder Judiciário é um poder harmônico ao Legislativo, mas não é dependente dele", ressalta.

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