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 | Fotos: Walter Alves/Gazeta do Povo
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Ficha técnica

Naturalidade: Rio de Janeiro, RJ

Currículo: Mestre em Ciências Penais pela Universidade Candido Mendes (UCAM), doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, atua na 3ª Câmara Criminal. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Nas horas vagas: escreve crônicas.

O que está lendo: "Emílio, ou da educação", de Jean-Jacques Rousseau.

Enquanto se dirige para casa em um táxi, no Rio de Janeiro, o desembargador Paulo Rangel intercala a entrevista à jornalista, com comentários (sobre o tema da entrevista) com o taxista, a quem se dirige com bom humor e intimidade, como quem fala a um colega. Rangel dispensa a pompa, fala de maneira despojada e é direto nos exemplos que cita sobre a realidade que vivencia no mundo do direito. Com base nos anos que atuou como promotor, ele descreve o universo, nem sempre justo, que envolve o mundo do Tribunal do Júri e sugere mudanças como o fim do número ímpar de jurados e a necessidade de que eles fundamentem suas decisões. O desembargador também é defensor do direito de investigação do Ministério Público e afirma que apenas os que devem se opõem a essa prerrogativa. Quando jovem, morador da periferia do Rio de Janeiro, começou como porteiro de uma loja, passou logo a vendedor e, depois, foi aprovado em um concurso para detetive da polícia. Mas esse cargo público foi só para lhe dar condições de cursar a faculdade de direito e, então, estudar para o concurso de promotor de Justiça. Primeiro negro do Ministério Público nomeado desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Paulo Rangel reconhece que os altos postos ainda são para as elites e que sua história é exceção.

Depois de ter trabalhado tantos anos no Tribunal do Júri, o senhor segere mudanças. Quais seriam as principais?

Primeiro: passar de sete para 12 jurados, voltar ao número par que sempre tivemos no Brasil, de 1822 a 1938. O número par tem uma pluralidade maior de pessoas conversando sobre o fato e, para eventual condenação ou absolvição, vai ter sempre a diferença de [pelo menos] dois votos (7 a 5), hoje a diferença é de um voto (4 a 3). Segundo: estabelecer a comunicabilidade entre os jurados dentro do tribunal na hora de julgar.

O senhor defende que todas as decisões devem ser fundamentadas, como os membros do júri que são leigos podem fundamentar suas decisões?

É um erro pensar que, por serem leigos, não podem fundamentar. Se não podem fundamentar, também não podem decidir. No caso Nardoni, por exemplo, qualquer cidadão tem condições de fundamentar aquela decisão. "Por que o senhor condenou?" "Eu condenei porque a perícia me convenceu, porque as testemunhas que depuseram me convenceram ou o inverso". Isso seria em sigilo, não quero saber quem votou desta ou daquela forma. O júri faria não com uma técnica do direito, mas com uma técnica do cidadão.

Então, ter de apresentar a fundamentação poderia mudar as decisões?

Tem decisões em que o jurado não sabe por que está decidindo. Se o advogado tem uma boa lábia, a pessoa fica com pena. Um cara de uma milícia com boa pinta é absolvido. Um cara de olho azul, que está com uma jaqueta de couro, uma calça da Diesel, quem é que vai condenar? Agora, bota um negão como eu, careca, feio, estou roubado. Bota o taxista que está comigo, que é um negão, também está condenado. Eu já ouvi jurado dizer isso para mim: "Um cara desses, mora na favela da Rocinha, o senhor quer me convencer que não foi ele que matou?" Como se na Rocinha só tivesse bandido. Só tem trabalhador, você vai lá, tem 300 mil pessoas e 50 bandidos. Tinha né, sei lá se tem ainda.

Em casos de grande repercussão, como o da Família Nardoni, a pressão pela comoção nacional influencia na decisão do júri?

Com certeza, a imprensa tem um papel fundamental. A imprensa condena pri­­meiro, e os jurados ratificam a condenação. De tanto que falam, os jurados acabam pré-julgando e depois só corroboram.

O senhor foi promotor do MP, qual a sua opinião sobre o poder investigação do órgão?

Eu tenho um livro sobre o tema ["Investigação Criminal Direta pelo Ministério Pú­­blico" – Editora Atlas], em que defendo que pode investigar. Aqui no Rio tem uma velhinha de 80 anos, no morro Ladeira dos Tabajaras, que filmou os PMs fazendo tráfico e um monte de coisa errada. Ela entregou para a polícia, teve investigação, os policiais foram processados e condenados. Foi uma pessoa do povo que conduziu a investigação. Vocês da imprensa investigam, todo mundo investiga. Por que o MP não pode investigar? Quem não quer que o MP investigue é quem quer impunidade. O cidadão mesmo de bem, o taxista que dirige aqui o táxi onde eu estou, por exemplo, vai dizer que pode investigar. Ele é de bem, ele trabalha, o táxi dele é bom, tudo certinho... O cara que é vagabundo, senador, deputado, governador, prefeito, que está roubando merenda, chupeta de criança, que compra ambulância e não entrega está preocupado com o MP, ele é que vai ser preso. Em resumo, quem é contra a investigação do MP é quem está devendo.

O senhor divide o MP em duas fases, antes e depois da Constituição e afirma que o MP é muito novo e não aprendeu a trabalhar com todas as prerrogativas. Como isso pode melhorar?

Tem de saber que esses instrumentos que são colocados à disposição dele não podem ter excesso. O problema é que, em alguns casos, o MP se excedeu. Um exemplo: teve uma ação civil pública contra um vereador porque ele faltou a um dia de sessão na Câmara. Vai mover uma ação porque o cara faltou um dia! Faltou porque estava na base política dele, foi ao dentista... É diferente daquele que, em seis meses, nunca foi a uma sessão. Então, o MP pagou um pouco por esses excessos. Embora em alguns casos tenha havido excesso, o saldo foi positivo da atuação do MP no cenário jurídico.

O senhor foi o primeiro promotor negro do MP nomeado desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Quando começou os estudos, o que almejava? Pensava em ser desembargador?

As coisas foram acontecendo de uma maneira natural. Nunca imaginei, nunca tracei, vou chegar lá, vou chegar aqui. Quando você começa de baixo, você nunca imagina que as coisas vão andar dessa forma, assim, perfeitinha. As oportunidades foram aparecendo, eu fui pegando, fui andando e cá estou eu.

O senhor vivenciou alguma situação de preconceito que não esquece?

Sempre existe, sempre teve. Muitas situações em relação à polícia na rua, em abordagens, olham e pensam que você é uma coisa e você é outra.

E no mundo do direito ainda há muita resistência à presença de negros?

Ainda existe no direito muita resistência. É uma coisa engraçada, porque quando você começa a descobrir a origem dos alunos das faculdades de direito, você começa a ver, primeiro, quem consegue chegar à universidade. Segundo, dos que conseguem chegar à universidade, quantos são aqueles que se formam. E, dos que fazem o concurso para juiz, para promotor, quantos são aqueles que são de origem humilde. Tem que parar a vida e se dedicar dois, três anos maciços. O funil vai aumentando. Logo, quando você vai trabalhar com a questão do preconceito, você vai ver que essas pessoas que conseguiram chegar são as pessoas que pertencem a uma elite. Casos como o meu são raros, lamentavelmente.

Qual a sua opinião sobre as cotas nas universidades públicas?

Sem as cotas não vamos conseguir resolver um problema que é histórico: a dívida que o Estado tem com as camadas mais pobres do país, em especial os negros. Sou favorável, e a experiência mostra o acerto delas na UERJ.

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