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 | Bebel Ritzmann/Divulçagão OAB
| Foto: Bebel Ritzmann/Divulçagão OAB

Ficha técnica

Naturalidade: Minas Gerais

Currículo: doutora em Filosofia do Direito, é professora na PUCSP. Representante do Brasil no Comitê de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres (Cedaw/ONU), tendo presidido a entidade de 2011 a 2013. Participou do movimento de mulheres que colaborou com a Constituinte de 1988. Tem mais de dez livros publicados na área do Direito da Mulher

Jurista que admira: Leila Linhares Basterd

O que está lendo: Em Busca da Política, de Zygmunt Bauman

Nas horas vagas: gosta de passear e viajar

Quando estava viajando pelo Brasil, nos anos 1980, para saber o que as mulheres esperavam de uma nova Constituição Federal, a advogada Silvia Pimentel foi questionada por uma no interior do país sobre o que estava fazendo ali, se ela e suas amigas advogadas e professoras é que escreveriam o que iria para o texto constitucional. Silvia respondeu que realmente eram elas que escreveriam em termos formais e acrescentou: "Mas vocês têm que nos dizer quais os direitos que não têm e de que precisam". A "feminista de carteirinha", como ela mesma se define, contou essa experiência durante um evento promovido na OAB-PR em março. Mãe de quatro filhos – dois casais–, ela diz que não quer que as mulheres tenham mais direitos que os homens, que sua luta é para que suas filhas tenham tantos direitos quanto seus filhos. Devido à agenda apertada quando esteve em Curitiba, a ativista conversou com a reportagem da Gazeta do Povo no carro, a caminho do Aeroporto Afonso Pena.

Os índices de homicídios de mulheres no Brasil não diminuíram mesmo depois da edição da Lei da Maria da Penha. O que é possível fazer para reduzir a violência?

O grande o problema é a mudança da mentalidade. Ainda existe muita intolerância, muita impunidade, porque ainda não há uma resposta fortemente punitiva por parte do Estado. O fato de hoje estar ainda mais visível essa violência, não sei se é porque está maior, pode ser que seja porque a sociedade como um todo está mais violenta. O que não posso é minimizar, dizer que a Lei Maria da Penha não tem eficácia. Ela é conhecida, as mulheres se manifestam, muitas têm coragem, denunciam, mas acho que ainda falta mais trabalho. Vamos ver o interior: qual é a condição de as mulheres rurais terem efetivamente acesso [à Justiça]? Há uma orientação, há um ajuda jurídica para elas enfrentarem suas causas no Judiciário? Não existe. Existem esforços. Acho linda a proposta da defensoria pública [prevista na lei], mas falta aparato do Estado para oferecer o serviço.

Como é a dinâmica de trabalho no Cedaw [Comitê de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres da ONU]?

São 187 países signatários que o ratificaram. Esses países se obrigaram a realizar relatórios periódicos sobre cumprimentos daqueles preceitos legais contidos na Convenção. Cabe ao Estado apresentar relatórios em que mostra o que fez e o que deixou de fazer, em termos legais e administrativos, e, inclusive, por parte do Poder Judiciário. Em relação à obrigação há que se lutar contra discriminação e em prol do estabelecimento de igualdade de direitos e de fato.

Nesse período de participação no Comitê, a senhora consegue fazer um panorama geral do que houve de evolução nessa questão de igualdade, não só na legislação, mas na prática?

No Brasil, caminhamos muito em termos de legislação. Isso é praticamente um fenômeno em todo o nosso mundo ocidental. Há poucas leis discriminatórias no nosso mundo ocidental, o que não acontece no mundo oriental. Nos países islâmicos, por exemplo, com muita frequência, as leis ainda são [baseadas] no Corão, bem explícitas na desigualdade dos direitos da mulher. Há um esforço, um empenho, que eles conseguem mostrar, por exemplo, em países onde o índice de mulheres estudando é muito menor que o de homens [estudando]. Isso não acontece no Brasil, aqui não temos essa diferença de gênero no que diz respeito à educação.

E o Brasil tem recebido que tipo de orientações do Cedaw?

Há um caso emblemático de uma mulher negra e grávida, chamada Alyne Pimentel, que, por atendimento equivocado e preconceituoso, morreu quando supostamente estava com hemorragia estomacal. Mas, na verdade, ela estava grávida de cinco meses, perdendo o filho e iria morrer. O Brasil teve condenação internacional. Isso faz pouco tempo, eu estava reunida em Genebra [sede do Cedaw], e a embaixadora brasileira foi ao Cedaw comunicar que, a partir da condenação, o governo brasileiro iria realizar reparação à mãe de Alyne.

A senhora se descreveu como uma feminista de carteirinha durante o evento na OAB-PR. Como avalia hoje o movimento feminista no Brasil?

O movimento de mulheres começou em meados de 1970 no Brasil, com grande pico nos anos 1980 com o movimento constituinte até os anos 1990. Ele, hoje, é diferente. Alguns direitos básicos pelos quais lutamos, conseguimos. Outros a gente ainda não conseguiu. E continuamos tendo movimento de mulheres, mas que não têm a mesma articulação que tinha antes, havia um agir conjunto maior. A gente sabe que ele ainda está de forma diferente, mais pulverizado, tem micro trabalhos espalhados pelo país todo. Acho que a gente marcou nessas décadas. É muito difícil, não se vence um patriarcalismo milenar em décadas. Continua havendo muito trabalho, mas para colher o fruto não é fácil. Mas acho que, pelo menos, já existe um nível de consciência muito maior do que havia antes. É um processo, continuamos no processo.

Na sua trajetória, que envolve a participação na Assembleia Nacional Constituinte e a autoria da Lei Maria da Penha, o que a senhora destaca?

A minha participação, com a Florisa Verucci [feminista], na mudança do Código Civil. Eu a convidei, e, juntas, preparamos o novo Estatuto da Mulher em 1980, com a proposta de alteração do Código Civil, que discriminava a mulher. Peguei o Código Civil de 1916 do primeiro até o último artigo e fiz um pinguinho de lápis em todos os artigos que discriminavam a mulher. Eu liguei para a Florisa e perguntei: "vamos fazer uma alteração no Código Civil brasileiro em relação a todos esses artigos discriminatórios". Em 1981, levamos junto com um movimento de 50 mulheres ao Congresso Nacional. E essa nossa proposta se transformou em pelo menos 10 projetos de lei. Na época também já existia uma proposta de mudança no CC, desde 1973, coordenada pelo professor Miguel Reale. Quando o novo código foi aprovado em 2002, foram aprovadas todas as nossas propostas. Foi uma das maiores alegrias que tive na minha vida, porque realmente foi muito bonito o trabalho.

Como a senhora lidou com os homens da sua vida? Marido, filhos, amigos de trabalho... Como passou para a sua vivência o que aprendeu e pregou com o feminismo?

A primeira coisa que fiz antes de receber "carteirinha" foi terminar com o meu primeiro casamento, isso marca a minha vida de militante. Não é fácil. Era uma moça jovem. Mas não podemos aceitar situações de opressão. Esse meu esforço de buscar minha emancipação foi o que aconteceu, foi difícil, mas eu fiz. Depois disso criei meus quatro filhos sempre com muito cuidado de educá-los em termos de igualdade. Depois casei com um homem feminista, que é médico. Então eu tenho uma coerência ou, pelo menos, busco ter no meu modo de agir.

Com colaboração de Rômulo Ogasavara

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