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 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Ficha técnica

Naturalidade: Guadalajara, México

Currículo: advogado com experiência em direito comercial, propriedade intelectual e direito desportivo. Estudou em instituições como Universidade Iberoamericana (México), Universidade de Liverpool (Inglaterra), e Universidade da Basileia (Suíça). É pesquisador visitante da Universidade de Columbia (Nova York, Estados Unidos)

Jurista que o inspira: Ingeborg Schwenzer

Livro preferido: Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago

Nas horas vagas: gosta de correr e, quando viaja, de experimentar novos pratos

A arbitragem vem se tornando cada vez mais uma alternativa para as negociações internacionais. Mas, mesmo sendo esse um método que simplifica a resolução dos litígios, há diversos aspectos que tornam o tema complexo, como a escolha da legislação de qual país será adotada em um contrato internacional. A Convenção de Viena sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla em inglês) estabelece alguns critérios que facilitam as negociações. E foi sobre esse assunto que o advogado especialista em arbitragem internacional Edgardo Muñoz falou no evento sobre a CISG realizado na última semana em Curitiba, por iniciativa do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal, com apoio da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep). Em seu painel, ele abordou as obrigações previstas na Convenção. Em entrevista ao Justiça & Direito, o advogado explicou algumas dessas obrigações e a aplicação da Convenção. Na opinião de Muñoz, o Brasil demorou a aderir à CISG, mas o fez no momento certo, pois agora possui maior abertura comercial.

Qual é a sua avaliação sobre a entrada em vigor da Convenção de Viena no Brasil a partir do próximo mês?

O Brasil, obviamente, demorou muito. A CISG é de 1980. Houve dois países [latino-americanos] participando ativamente da redação dessa Convenção. Um era o México, e o outro, o Brasil. Obviamente pelo fato da importância econômica que ambos têm. Mas o Brasil não confirmou e demorou muito para entrar. Penso, também, que é um bom momento para o Brasil, pois está em uma fase de atividade econômica como nunca havia tido, de abertura comercial, é uma potência econômica mundial nos dias atuais. Talvez por isso o país tenha esperado, e entrar agora é uma boa medida. Eu acho que o México, por exemplo, entrou na convenção muito cedo, em um período no qual não tinha a abertura comercial que agora tem. Não houve essa discussão lá, e muitos advogados e empresas ignoram completamente a existência dessa convenção.

Como espera que seja a aplicação pelos juristas brasileiros?

Na minha apresentação, eu falei desses temas e citei uma arbitragem na qual eu representava um comprador brasileiro. Nesse exemplo, mesmo que o Brasil não fizesse parte, seu contrato era com uma empresa suíça, e o contrato dizia que se baseava no direito suíço. Por isso se aplicou a CISG, porque a Suíça fazia parte da convenção, e o Brasil ainda não. Isso que dizer que, mesmo que o Brasil não fizesse parte, os empresários estavam expostos à aplicação dessa convenção. Creio que nesse caso foram contratar advogados da Suíça porque o direito era o suíço. Quando os advogados do Brasil começarem a se familiarizar com a convenção, os empresários brasileiros não necessitarão contratar alguém que está na Suíça e gastar dinheiro contratando um profissional de fora. Isso mudará e reduzirá os custos de representação para o negócio.

Na sua palestra, o senhor falou sobre as obrigações na CISG. Quais são as principais e que tipo de litígios são mais comuns?

A principal obrigação do vendedor é a entrega da mercadoria, a entrega de documentos que representam a mercadoria, como a fatura e o certificado de origem. Isso porque normalmente estamos falando de uma mercadoria que terá de passar de um país a outro, e, para isso, é preciso passar por um processo de importação, normalmente, do país do vendedor e do país do comprador que a utilizará. Por isso que o vendedor terá de entregar não só a mercadoria mas também todos os documentos que o comprador necessita para fazer esse processo de importação. Além disso, o vendedor tem a obrigação de passar a propriedade da mercadoria para o comprador, para que este possa fazer o uso livremente da mercadoria. A Convenção de Viena respeita essas obrigações. Porém, há um assunto que ela não regula, e se refere ao momento em que a propriedade passa do vendedor para o comprador. A convenção não diz em que momento nem qual efeito traria, por exemplo, uma venda de mercadorias que estão afetadas por direitos de terceiros. E isso está explicitamente escrito no artigo 4B da Convenção, que diz que isso não está escrito ou está regulado. A razão para isso é porque, na Conferência em Viena, quando iam aprovar essa convenção, existiam diferentes tradições jurídicas.

O senhor poderia citar exemplos dessas diferenças?

Por exemplo, a tradição francesa diz que o momento em que a propriedade passa do vendedor ao comprador é quando eles concordam com o contrato. É nesse momento que há um acordo entre o produto e o seu preço. Enquanto nos países de tradição românica, como a Alemanha e o Brasil, não é nesse momento, mas quando ocorre a entrega da mercadoria e a manifestação da vontade do vendedor de se desfazer dela.

Quando fazem compras e vendas, os negociantes devem optar por qual tradição?

O melhor, o ideal, é, quando fazem um contrato, colocar a obrigação de que o vendedor seja o verdadeiro proprietário e não um terceiro. Mas, na prática, as empresas e os homens de negócio [empresários] não estão preocupados com essas questões. Somente os advogados conhecem esses detalhes. Então, quando os homens de negócios fazem um contrato, eles não estipulam o que fazer quando houver um litígio. Quando há um litígio e essa questão não foi tratada especificamente pelo contrato, o juiz saberá que convenção, nesse ponto, deverá determinar qual lei deverá ser aplicada. Tem de ser aplicada para saber se houve, por exemplo, uma transgressão da propriedade do vendedor ao comprador.

Em uma das suas obras, o senhor faz comparações entre as soluções aprovadas nos países ibero-americanos. Quais são as principais diferenças entre esses países?

Um grupo de países latino-americanos segue a mesma tendência, como, por exemplo, Uruguai, Chile e Argentina, que se basearam no modelo de seus códigos civis. Por exemplo, as disposições dizem que, quando o contrato tem uma quantidade maior de certo número de dólares – que na realidade é muito baixo –, terá de estar sempre por escrito. Hoje não tem sentido porque as pessoas fazem tratos não necessariamente por escrito. Uma das principais diferenças da Convenção com os sistemas que seguem os países ibero-americanos é que o comprador, quando recebe a mercadoria em sistemas latino-americanos, e se essas mercadorias estão defeituosas por causa de erro humano, há os chamados vícios reivindicatórios, para que se reduza o preço porque a mercadoria está defeituosa ou que se entregue uma mercadoria que a substitua. Na Convenção de Viena, se você recebe uma mercadoria que não está conforme, você pode pedir a diminuição do preço ou pode pedir o término do contrato ou receber a mercadoria e depois pedir a sua reparação do dano que a mercadoria causou a você ou simplesmente ficar com ela, sem pedir a reparação.

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