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 | Henry Milleo/Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Equilibrar interesse econômicos e ambientais é um dos principais desafios da atualidade. O especialista em energias renováveis e professor da escola de direito da Universidade Witwatersrand, em Joanesburgo, África do Sul, analisa a influência que a economia tem sobre as decisões ambientais e nas relações internacionais. Natural do Zimbabwe, ele toma a realidade do seu país de origem e de onde vive hoje para analisar o peso das relações comerciais nas decisões que envolvem o meio-ambiente. Mas Murombo também se coloca no lugar de quem está do outro lado – os países desenvolvidos – para analisar esse contexto e mostra que há mais dilemas do que respostas no direito ambiental. O jurista africano esteve em Curitiba no fim de 2013 para o evento "Diálogos entre a América Latina e África: propriedade privada, conflitos e exploração de terras de indígenas, tribais e tradicionais", realizado na Universidade Positivo.

Quais os principais desafios no direito internacional relacionado ao meio-ambiente?

Os desafios são diferentes de uma região para outra. Mas eu acho que se nós observarmos especificamente as negociações sobre mudanças climáticas, o desafio para mim é que o direito internacional está mudando gradualmente por vinculações legais ou por obrigações de parcerias políticas. É por isso que atualmente não temos nenhum compromisso com as mudanças climáticas. Os países têm feito progressos em Copenhagen [na Conferência do Clima], mas eu duvido que isso terá alguma vinculação jurídica que gere obrigações. São atores políticos, não atores legais. Esse é um problema que temos observado no direito ambiental internacional, forçar os líderes é muito difícil. Tem sido fácil fazer acordos de clima, mas eles evitam qualquer meta, qualquer obrigação legal específica, é muito difícil implementar um direito ambiental internacional. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), firmada na Rio 92, previa transferência de tecnologia dos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos, para lhes dar suporte a fim que tenham condições de implementar meios e ter acesso recursos genéticos. Também previu a obrigação para os países desenvolvidos de fomentarem a pesquisa nos países em desenvolvimento. A Convenção sobre Mudança do Clima também prevê esses compromissos. Mas essas obrigações nunca foram cumpridas. O real desafio que temos, quando olhamos todos esses tratados e acordos internacionais, é que tecnologia é capital. As grandes corporações investem dinheiro para produzir a tecnologia. É fácil para os países, o Brasil, por exemplo, transferir tecnologia para a África do Sul, o Zimbabwe ou Botsuana? Porque, se foi investido muito em pesquisa para desenvolver essa tecnologia, se vai se fazer de tudo para proteger esse patrimônio.

O que se pode fazer para implementar essa prática?

Os países desenvolvidos não podem forçar os donos das empresas que desenvolvem tecnologia a transferir o conhecimento para países em desenvolvimento. Eu acho que esse é um grande desafio, especialmente agora, quando as corporações têm tantas políticas. Não há como fazer pesquisa sem dinheiro. Logo se for dado o conhecimento da tecnologia aos países em desenvolvimento, os países desenvolvidos vão perder parte dos braços econômicos. O que lhes dá controle da economia global? A tecnologia, o conhecimento. Se o países em desenvolvimento progredirem eles deixam de ser mercado para os países desenvolvidos , a matéria-prima que eles fornecem para os países desenvolvidos começará a ser utilizada por eles mesmos.

O senhor poderia citar exemplos?

Na África do Sul temos minas de diamante, que são vendidos para a Europa, onde são polidos e trabalhados. Qual o motivo para os países desenvolvidos ajudarem os países africanos a construírem sua capacidade? A extração de petróleo na Nigéria é outro exemplo, eles enviam o óleo bruto para a França, onde ele é refinado e volta para Nigéria onde se paga pelo produto processado. Porque vão capacitar os nigerianos, então? Se eu fosse dos países desenvolvidos, eu acho que não daria capacitação aos países em desenvolvimento. Esse é um mundo competitivo. Se observarmos a Organização Mundial de Comércio, eles controlam o trânsito de bens pelo mundo e nesse sistema é muito difícil fazer direito ambiental internacional e sistemas jurídicos andarem juntos. Países em desenvolvimento produzem matéria-prima, países desenvolvidos compram e vendem de volta produtos manufaturados. Nós somos colônia, esse é o novo colonialismo que está muito institucionalizado e é invisível, mas está lá. Se você tenta ir contra quem dita as regras, contra o sistema global que controla isso, eles podem destruir seu país. O sistema de comércio internacional domina a política global e a geopolítica.

E os países em desenvolvimento tem uma maneira de tratar as questões de meio ambiente e os desenvolvidos têm outra...

Se os países que dominam o mercado concordarem com regras sobre meio ambiente vão ser afetados. Os EUA nunca mudam as metas para meio ambiente, o argumentos são econômicos e não ambientais.

Qual a sua opinião sobre a construção da usina de Belo Monte aqui no Brasil?

É um desafio, um tipo de desafio que há em vários países. É um problema ambiental típico, todo o processo de desenvolvimento dos seres humanos trouxe efeitos negativos. A questão é saber o quanto vamos tolerar. Quanto de poluição ou de danos ambientais podemos aceitar?

Mas uma das reclamações é que os povos que vivem na região em que a usina vai ser construída não foram consultados...

Eles não foram consultados porque se fossem a resposta seria óbvia: não. Mas ele precisam ter acesso à informação sobre as necessidades de energia, sobre os danos. Eles precisam saber que o consórcio [que vai fazer a obra] vem, mas também devem vir contrapartidas. É preciso um processo que envolva as comunidades locais por um longo tempo para que eles entendam os benefícios que a usina vai trazer, qual é o interesse local e os interesses nacionais e internacionais envolvidos. Leva tempo para que eles entendam a ligação entre as necessidades individuais deles e o interesse nacional. Depois desse processo de envolvimento eles podem concluir que a usina é uma boa ideia porque vai gerar empregos, vai trazer para o local melhores condições no atendimento de saúde. O desafio real é como o governo ou as companhias contratadas lidam com isso. Mas muitas das corporações querem evitar os custos de ter que manejar os efeitos que as obras vão trazer. E por causa disso ele não falam sobre as consequências que serão causadas. Ele não querem ser questionados sobre como os efeitos vão ser administrados e o quanto se gastará com isso. Mas há ainda uma questão maior que é: que tipo de desenvolvimento nós queremos? Essa é a grande pergunta. Se você for às comunidades no entorno da usina de Belo Monte e perguntar qual é a definição deles de qualidade de vida, vai ser uma definição diferente da minha. Ir a comunidades indígenas e oferecer boas escolas e melhores condições de saúde e todo o modelo europeu/ocidental de vida, talvez não seja o que eles querem.

E se mesmo com um processo de envolvimento, a comunidade resistir

A autonomia e autodeterminação vai levá-los a defender o interesse local. O governo é que tem poder de decidir se vai seguir adiante com a construção da usina. No Zimbabwe, enfrentamos situações semelhantes em minas de diamantes. É também uma questão moral. Se mesmo com toda a informação sobre os benefícios e a contrapartida, a comunidade disser não, tem que ser não. E o governo deve buscar outro lugar para construir a usina.

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