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 | Fotos: André Rodrigues/Gazeta do Povo
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Ficha técnica

• Currículo: doutor em direito pela Universidade de Zaragoza e professor de Filosofia do Direito na mesma instituição. Pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, com linha de pesquisa em Informática Jurídica e Processo Civil e Direito Eletrônico. Estudos com ênfase em Teoria do Direito. Autor do livro "A proteção política do jusnaturalismo na Espanha".

• Nas horas vagas: gosta de viajar

• Jurista que inspira: Miguel Reale e Jürgen Habermas

• O que está lendo: "O Príncipe", de Maquiavel

Aplicar à realidade prática do direito as mudanças tecnológicas e, ao mesmo tempo, recorrer ao direito para regular essas mudanças. Esses são os temas de pesquisa do filósofo do direito Fernando Galindo Ayuda, da Universidad de Zaragoza. Ele esteve em Curitiba para participar do evento "Universitas e Direito", promovido pela PUCPR, durante o qual falou sobre cidades inteligentes e a alternativa das cidades da Justiça, para otimizar o trabalho do Judiciário com as novas tecnologias. Na conversa com o Justiça & Direito, Galindo, além de falar sobre seus temas de pesquisa, relatou como está mudando a formação dos advogados na Europa.

O senhor veio participar de um evento sobre cidades inteligentes. No que o direito tem contribuído com elas?

As cidades inteligentes são um fenômeno que se refere, no sentido das tecnologias da informação, a fazer uma cidade mais saudável, mais bem organizada, sem problemas de tráfego. Estão construindo programas que permitem se deslocar rapidamente, com rotas alternativas, com todo um conjunto de serviços. O direito se ocupa com que esses programas respeitem a legalidade. Que legalidade? Fundamentalmente, o tema da proteção de dados. É um tema que agora eu sei que no Brasil tem um impacto por causa das escutas dos serviços secretos estadunidenses e que não está regulado no Brasil como em outros lugares, sobretudo na União Europeia. Lá nós sabemos que os cidadãos dão informações, mas com consentimento e sabendo plenamente como vão utilizar seus dados. E o direito busca garantir que esses programas vão respeitar o direito à proteção das informações desses cidadãos. A verdade é que os programas não funcionam com informações pessoais, mas com modelos. Então, os dados pessoais não importam porque são "anonimizados". É preciso ter essa precaução. Outro tema jurídico é a propriedade intelectual e a propriedade industrial da informação que se veicula nesses serviços.

O senhor é pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico. Quais os temas de maior interesse dessa área?

No momento o fundamental é o tema da administração, os três poderes utilizando as tecnologias de comunicação como um instrumento auxiliar. Isso está criando um tipo de organização diferente do que existia sem essas tecnologias.

E há necessidade de novas normas?

Há normas, mas as que estão em vigor são de um tempo em que não existia, por exemplo, as redes sociais, que estão permanentemente evoluindo. E o direito não pode mudar tanto como a sociedade, mas tem de adaptar-se porque há situações perigosas. Outro tema é a inclusão digital, que ocorre em todas as partes. Na Europa também há cidadãos que ainda não adentraram o território das tecnologias da informação e das comunicações. Há que se fazer ações para viabilizar isso, que também ocorre no Brasil. Nossa preocupação é dizer aos cidadãos que podem utilizar as tecnologias para se aproximar dos governos, que isso lhes traz vantagens. Enquanto estão aparecendo os fenômenos das cidades inteligentes, estamos advertindo que a construção de novos inventos precisa sempre contar com o direito. Há normas de direito que serão aprovadas mais adiante, mas também há o direito vigente que tem de ser respeitado.

O senhor faz uma comparação entre cidades inteligentes e cidades da Justiça. Como isso funciona?

Há dois fenômenos: estão construindo as cidades inteligentes, mais sãs, com menos poluição; e, ao mesmo tempo, está se produzindo no Brasil, na Europa, enfim, em todo o mundo, uma transformação da administração da Justiça. Uma transformação tal, com a tecnologia da informação, que requer mudanças, por exemplo, na estrutura dos juizados e dos tribunais, porque a utilização dessas tecnologias requer uma organização em que as funções sejam feitas de forma distinta. Se existe um juizado onde há um juiz e vários assistentes, com essas tecnologias, o gabinete tem de se organizar de forma diferente. Podem-se colocar vários juí­­zes para que os serviços comuns sejam conjuntos, não há porque um juiz ter auxiliares exclusivos se todos fazem serviços administrativos. Então isso requer uma cidade da Justiça.

Há exemplos práticos?

Na Espanha, estão construindo edifícios, onde todos os juizados estão em um mesmo lugar.

Como é essa estrutura?

Em uma parte estão juízes e magistrados, em outra, os auxiliares diretos dos magistrados e, em outra parte comum para todos eles, estão os secretários e as pessoas que ajudam a tramitar os processos.

E isso torna a Justiça mais célere?

Se nas cidades inteligentes o objetivo é fazer cidades mais saudáveis, na Justiça a reforma com as tecnologias visa à eficácia. Sabemos que há uma grande lentidão com os processos que vão por papel. O problema é que não é tão fácil introduzir novidades nessas instituições que estão trabalhando com papel faz muitos anos. Há leis que propõem as mudanças, aqui no Brasil, na Europa, mas é difícil a implantação. Mudar instituições antigas, com pessoas acostumadas a outras práticas e que resistem a mudar o tipo de trabalho que fazem é difícil. Mas isso vai avançando, mesmo que lentamente.

As cidades da Justiça funcionam bem na Espanha?

Estão começando, são experiências. As leis que tratam disso têm dois ou três anos. E também há a questão dos custos, além dos problemas com as pessoas.

Como a filosofia do direito vem interpretando os fenômenos atuais, como direito eletrônico?

Há que se explicar toda complexidade dessa sociedade com a filosofia do direito. E isso inclui as tecnologias da informação. Uma discussão que há na Europa e aqui nem tanto é a mudança de currículo dos cursos de direito. Com a Declaração de Bolonha [documento sobre políticas educacionais assinado por países europeus], agora não ensinamos mais somente direito penal e civil, mas também temos que ensinar ao aluno que está se preparando para ser advogado a como como lidar com as tecnologias da informação. Eles têm que aprender a fazer seus despachos com técnicas mercantis, têm que aprender a se comunicar uns com os outros. São competências e habilidades. Um filósofo do direito estuda o direito que está nas leis e o que é realizado pelas atividades dos profissionais.

Então o senhor está mais focado à realidade contemporânea do que a estudos históricos?

Fixo-me no presente com a projeção histórica. O filósofo do direito tem de explicar ao futuro jurista que o importante é o consenso ou o acordo na sociedade, o diá­­logo entre várias opiniões. Quando se estuda a história do direito, vê-se que há várias ideias. Então, se o filósofo explicar a história, está muito bem, porque acostuma o jurista a ver que há várias mentalidades. Na profissão, há que ser respeitoso por todas elas. Por outro lado, o tema das tecnologias é necessário porque há muitos professores nas faculdades que não explicam essas coisas.

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