Em visita ao Brasil para ministrar um curso sobre direito chinês na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a professora da Universidade de Macau, na China, Wei Dan teve de trocar o hashi pelo garfo e faca. Mas, para ela, isso não foi um incômodo, já que revela ser fã das churrascarias brasileiras. Nesta entrevista concedida com exclusividade à Gazeta do Povo, Wei conta como a China evoluiu economicamente depois de ingressar na Organização Mundial de Comércio (OMC) e por que é importante que os brasileiros tomem conhecimento do ordenamento jurídico do país oriental. "A primeira vantagem de se ter conhecimento do sistema jurídico da China é ter mais facilidade para ingressar nesse mercado", aponta. Segundo a professora, o Brasil também pode aprender com os centros de mediação e arbitragem chineses. "É uma prática que pode aliviar muito a pressão dos órgãos judiciais", diz.
Qual a importância da integração de estudos jurídicos entre Brasil e China?
O Brasil e a China são grandes parceiros estratégicos com muitos interesses comuns, pois se tratam de países em desenvolvimento com problemas semelhantes. No cenário internacional, Brasil e China sempre foram parceiros importantes para lutar por uma melhor justiça e governança internacional. Hoje, o Brasil é o melhor parceiro econômico da China na América Latina, a China ultrapassou os Estados Unidos e é, hoje, o melhor parceiro econômico do Brasil. Por causa desse relacionamento cada vez mais forte, compreendo que, para o direito, é muito importante os dois povos se entenderem melhor, para os empresários dos países conhecerem melhor o sistema jurídico da outra parte do mundo. Assim, criam-se condições para abrir um novo horizonte de expansão dessa cooperação.
Como a busca de soluções integradas na área econômica pode colaborar com a área social desses dois países?
Temos relações muito fortes com o Brasil em termos de comércio bilateral e investimento estrangeiro mútuo. Mas, com o crescimento do volume comercial e do investimento, é natural surgirem mais conflitos e disputas. Por esse motivo, a comunidade jurídica dos países pode contribuir para evitar o surgimento desses conflitos e buscar soluções e ideais a favor do setor privado. O curso [sobre direito chinês promovido pela UFPR] é uma oportunidade única para começar a promover um pouco o conhecimento do sistema jurídico da China, o que é o primeiro passo para aproximar as comunidades. Penso que, no futuro, os alunos da Faculdade de Direito serão especialistas e pessoas importantes para reforçar essa cooperação.
A China ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, e a senhora escreveu um livro que trata do assunto. Depois de mais de dez anos, é possível fazer uma avaliação do desenvolvimento econômico do país?
Sem dúvida. A experiência chinesa pode ser considerada uma história bem sucedida de um país em desenvolvimento e integração na globalização econômica. A China foi um país fechado ao longo dos séculos. Então, desde 1978 e com a entrada na OMC em 2001, a China tomou uma posição proativa no sentido de ganhar coragem para enfrentar a concorrência. Essa experiência, por sua vez, também é muito benéfica para a China aprender o cumprimento dos compromissos internacionais e de se aproximar das regras internacionais. E, às vezes, por exemplo, os casos da OMC podem ajudar a China a ganhar maior experiência para buscar a justiça e o melhor entendimento das regras.
Na China, os recursos de mediação e arbitragem são usados intensamente e não se pensa muito em recorrer ao Judiciário. É uma questão cultural?
A busca de vias não judiciais faz parte da cultura e da tradição chinesa. Os chineses sempre buscam chegar a um consenso entre as partes sem intervenção muito forte de órgãos judiciais. Então, tradicionalmente, os chineses preferem utilizar meios como mediação e arbitragem para manter uma relação amigável entre as partes, e nada impede que, com a intervenção de uma pessoa, possa se chegar a um consenso em que ambas as partes fiquem satisfeitas. Temos comissões de mediação e centros de arbitragem espalhados por toda a China. Os mediadores populares são voluntários, pessoas com "coração quente" que querem ajudar as pessoas. É uma prática que pode aliviar muito a pressão dos órgãos judiciais.
O que o Brasil poderia aprender com a experiência chinesa?
Para os investidores estrangeiros, a arbitragem também é considerada uma via muito rápida e menos custosa porque ela não fica dependente da morosidade e do conhecimento de outras línguas. Hoje temos muitos centros de arbitragem, e as partes podem até escolher árbitros estrangeiros que utilizem o inglês ou outras línguas. Teremos, inclusive, um centro internacional de arbitragem com uma abordagem inovadora porque, atualmente, existem ainda algumas diferenças em termos de sistemas judiciais entre a China continental, Hong Kong e Macau. Assim, o nosso centro de arbitragem busca ter experiência dos centros internacionais de arbitragem mundialmente reconhecidos para superar as barreiras dos sistemas jurídicos para facilitar a vida dos empresários. Quem sabe os brasileiros podem escolher Macau para ser o local para resolução dos conflitos com os parceiros chineses utilizando a língua portuguesa [risos]?
A senhora já veio muitas vezes ao Brasil. Qual a diferença cultural mais forte que sente em relação à China?
Para mim, o Brasil é uma segunda terra natal. Tive influência luso-brasileira na minha formação cultural. O povo brasileiro é muito alegre, aberto e simpático. É um país muito charmoso, cheio de novidades. Adoro as maneiras brasileiras de tratar as coisas. Acho o povo brasileiro muito inteligente. Em termos de cultura jurídica, apesar de ser um país em desenvolvimento, o Brasil possui um nível mais avançado em comparação até com outros países desenvolvidos. É um país que respeita o Estado de Direito e que está construindo efetivamente uma governança mais justa.
E do que a senhora mais gosta aqui?
Eu gosto de muitos pratos brasileiros, visitar a churrascaria [risos]. Existe uma variedade imensa na gastronomia brasileira, cada região do país tem as suas características. Toda vez que venho para cá encontro coisas novas para aprender
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