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 | Fotos:New Hope Produções Audiovisuais
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Ficha técnica

• Naturalidade: Vitória da Conquista (BA)

• Currículo: doutora pela Universidad Del Museo Social Argentino, graduada em direito pela Universidade Federal da Bahia. Defensora Pública em atuação na segunda instância na Bahia. Ex-presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude (ABMP)

• Juristas que admira: Flávia Piovesan, Tania da Silva Pereira, Martha de Toledo Machado

• Livro preferido: O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry

• Nas horas vagas: vai para a casa de praia e pratica jardinagem

Uma justiça da infância e da juventude eficiente precisa de uma defensoria pública capacitada. Esse foi o norte da defensora pública Helia Barbosa, que cumpriu mandato de dois anos à frente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude (ABMP) e buscou fortalecer o papel desses profissionais na defesa dos direitos dos menores. Em entrevista ao Justiça & Direito, Helia faz um balanço de sua gestão e aponta as principais questões que os operadores do Direito precisam enfrentar na atuação na área do direito da criança e do adolescente.

Quais são as principais adaptações necessárias na maneira como os processos correm?

Observamos uma falta de integração operacional dos atores do sistema de justiça e dos sistemas de garantia de direitos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que a política de atendimento da criança e do adolescente tem que ser integrada entre ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e entre a sociedade civil organizada. A primeira medida que se busca é que haja integração nacional, o que não tem sido fácil. O Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a segurança pública trabalham para o mesmo fim, mas cada qual dentro das suas competências. Falta realmente uma integração. Existem alguns exemplos, no âmbito do adolescente em conflito com a lei, que são os centros operacionais integrados, onde estão o juiz, o promotor, o defensor, o delegado e o serviço social. Porém, isso só está presente nas capitais e nem todas funcionam como deveriam. É preciso que haja uma concentração de esforços porque, se o adolescente praticou o delito, a medida deve ser aplicada dentro do prazo que a lei manda. Se o sistema de justiça no Brasil tem dificuldades, imagine o da infância. Não tem serviço de assistência social ou de psicologia, auxílios de que o juiz precisa porque todo assunto ligado a criança e adolescente envolve a interdisciplinariedade. O promotor precisa, o defensor precisa. Nós não somos formados nessas carreiras, então nós precisamos desse apoio e são raras as varas que têm. Há poucos servidores e poucos oficiais de justiça e, o que é grave, muitas vezes compartilhados com outras jurisdições de competência daquele mesmo juiz que se sobrecarrega.

Como a senhora vê a Justiça da Infância e da Juventude hoje?

É preciso repensar uma justiça mais descentralizada, mais padronizada e com os equipamentos e ferramentas humanas e materiais para os processos andarem. Porque tudo para criança e adolescente é para ontem. Os prazos são exíguos e a prioridade constitucional do artigo 227 tem que ser assegurada. A justiça adaptada ou amigável, como tem sido chamada, é aquela justiça que esteja ao lado da criança, pensando nas suas necessidades, no seu interesse maior. É pensar sempre no que for melhor para a criança e o adolescente, e nem sempre o sistema de justiça do Brasil pensa e age dessa forma. São questões que parecem pequenas, utópicas, mas você percebe que é preciso essa interrogação. O conselho tutelar foi criado para dar suporte, retaguarda à própria Justiça. Se ele atuar bem junto às famílias e escolas, já evita ações judiciais. É uma série de práticas do cotidiano que não estão funcionando como deveriam. Muitas pessoas não veem o sistema de justiça como uma política pública. O Poder Judiciário tem que investir, o Ministério Público tem que investir, a Defensoria Pública tem que investir para que o sistema de justiça funcione a contento, para que as demandas sejam apuradas e julgadas no prazo mais rápido possível, para que as crianças e os adolescentes não fiquem muito tempo internadas como acontece no Brasil. Há um certo descaso, tanto da parte do sistema de justiça quanto da parte do sistema de garantia de direitos na aplicação do direito da criança com efetividade das políticas públicas.

Como a senhora enxerga o papel dos defensores públicos na área da criança e do adolescente?

Acho da maior importância porque o tripé da Justiça é formado por Judiciário, Ministério Público e defensoria pública. Estamos no mesmo nível de autoridade, de tratamento. Se a defensoria pública não tiver um reconhecimento da sua atuação, a criança e o adolescente vão sofrer prejuízos, porque o ECA prevê que sem a defesa técnica o processo é nulo. É indispensável a presença da defensoria pública no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude. Quem ganha são o adolescente ou a criança e seus familiares com a atuação eficaz e competente da defensoria pública. Os núcleos de defensorias especializadas devem oferecer capacitação para os defensores e oferecer os recursos para que eles possam estar se aperfeiçoando no exercício de suas funções. Além disso, é dever do Estado oferecer recursos para que sejam abertos concursos públicos para preencher as vagas.

Como a senhora avalia o seu mandato como presidente da ABMP?

Trabalhei para buscar a integração entre os associados e a ABMP, melhorando nosso sistema de comunicação. Nós implantamos um site novo que facilita a interação on-line e enviamos boletins informativos. Também conseguimos dar ênfase à produção científica. Lançamos livros sobre justiça pela qualidade na educação, sobre violência sexual, sobre fluxo operacional dos megaeventos, entre outros. No momento, estamos produzindo pesquisa que aborda a violação da proteção integral nos esportes, principalmente no futebol. Conseguimos, pela primeira vez no Brasil, editar uma revista especializada em direito da criança, pela editora Revista dos Tribunais, que está indo para o terceiro número. A ameaça do rebaixamento da maioridade penal, por exemplo, importou numa moção que encaminhamos para o Senado, para os deputados e para a Presidência da República. Sempre que houve violações muito graves do direito da criança e do adolescente, a ABMP esteve alerta e se manifestou.

Qual é a expectativa da entidade durante a Copa do Mundo?

A ABMP faz parte da agenda de convergência, que foi construída coletivamente sob a coordenação da SDH, ligada à Presidência da República, mas que tomou como exemplo um trabalho ocorrido em 2012. Fizemos um caderno com todas as normas nacionais e internacionais pertinentes ao esporte. A pesquisa revela assédios, abusos e foi publicada em abril em Salvador. O que mais acontece não é a violência sexual, mas a exploração laboral. Por exemplo, no carnaval, o que ocorre mais são os meninos que são levados pelas famílias para vender cervejas, o que pode levar a envolvimento com tráfico de drogas. Há uma vulnerabilidade muito grande durante esses grandes eventos de aglomerados humanos, porque eles são muito expostos a todas as formas de violência. O Brasil está muito mais atento depois de todas essas discussões, todas as cidades com jogos da Copa estão se preparando e se unindo para atuar durante os eventos. Ainda que nada aconteça, estão todos integrados e saber que há uma concentração de autoridades e de esforços na defesa da criança já auxilia na repressão das más intenções. Acho que estamos caminhando rumo a essa tão falada integração operacional.

Colaborou: Paulo Ferracioli, especial para a Gazeta do Povo

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