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| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Ficha técnica

Currículo: professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito Cardozo (da Universidade de Yeshiva), Estados Unidos. Integrou a comissão da Casa Branca sobre preservação do patrimônio dos EUA no exterior; lecionou em diversas instituições de pós-graduação em direito, em países como Dinamarca, China e França. Recebeu menção honrosa do presidente francês Nicholas Sarkozy

Jurista que o inspira: Benjamin Cardozo

O que está lendo: Biografia de Paul de Man

Nas horas vagas: nada, joga tênis e dança (principalmente rock’n roll)

As interpretações que são dadas à Constituição dos Estados Unidos muitas vezes levam em conta valores que não estão ligados ao direito, mas a princípios pessoais daqueles que compõem a Suprema Corte. Essa é a análise do jurista Richard Weisberg, que explica que muitas flexibilizações feitas hoje com a lei dos EUA não seriam necessárias se desde o início os legisladores tivessem interpretado o texto constitucional. O professor esteve em Curitiba para um evento promovido pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e conversou com a reportagem do Justiça & Direito. Weisberg também explicou como alia literatura ao ensino do direito e disse que essa associação é histórica e deve ser retomada.

Há problemas com a flexibilização da Constituição dos EUA?

Não há nada de errado com a flexibilização do direito, mas no meu estudo que é parte de livro "In Praise of Intransigence" [Em louvor à Intransigência, em tradução livre para o português], que será lançado em breve, abordo esta questão de que as pessoas estão colocando mais aquilo em que elas realmente acreditam e possivelmente são menos flexíveis. Eu trato de alguns casos da Suprema Corte, casos famosos nos Estados Unidos. Em vez de os legisladores apontarem uma interpretação simples que envolve emendas constitucionais muito simples, eles adotam princípios e valores que têm nada ou pouco a ver com direito.

Que tipo de valores?

Por exemplo, há casos muito famosos que envolvem a primeira emenda, que é sobre liberdade de expressão, liberdade de credo, liberdades muito importantes para os norte-americanos. Muitas pessoas que escreveram ou falaram contra a Primeira Guerra foram presas. Elas defenderam a primeira emenda, que basicamente diz que o Congresso não pode editar leis que impeçam as pessoas de dizer aquilo em que acreditam. A Suprema Corte revisou a prisão dessas pessoas, e elas foram condenadas a penas de até 10 anos. Um caso famoso é o de Eugene Debs (1855-1926), um político proeminente, que concorreu à Presidência dos EUA. Outras pessoas menos conhecidas defendiam que a guerra não era uma boa ideia. A Suprema Corte decidiu que o governo poderia prender essas pessoas a despeito da primeira emenda. Os juízes consideraram que o governo, especialmente em casos de emergência, tem o direito de fazer o que quiser; que, se o governo tivesse poder suficiente, estaria autorizado a usar. Depois de anos, começaram a ser contrários às decisões anteriores, mas, infelizmente, o estrago já estava feito. O sentimento da Corte de que a justiça estaria baseada em seus valores e que seus próprios conceitos de certo e errado poderiam passar por cima do texto da primeira emenda resultou em uma deformação da cláusula de expressão. Só após 40 ou 50 anos de trabalho árduo de algumas pessoas, esse conceito foi restaurado, mas agora não temos mais o mesmo entendimento e temos muito mais liberdade de expressão.

Ocorreu esse tipo de interpretação com outras emendas?

Outro exemplo de emenda muito antiga que foi recentemente reinterpretada é a segunda, que tem relação com o uso de armas, que é um grande problema nos EUA. A emenda não tem nada a ver com dar aos americanos o direito de terem suas próprias armas para uso particular, mas fala sobre as pessoas poderem usar armas em caso de o governo se tornar tirano. Não tem nada a ver com autodefesa ou portar armas nas ruas. Em 2008, a Suprema Corte entendeu que a segunda emenda dá aos indivíduos o direito de ter suas próprias armas e cada estado ou localidade poderia regular isso. Esses dois exemplos que eu citei mostram que a justiça se apropria de pontos de vista privados, e os incorpora ao que deveria ser uma análise do texto constitucional.

Qual a sua conclusão sobre esses casos?

Minha teoria é que nos EUA nós tendemos a nos sentir pessoas liberais, que vivem em um Estado democrático e alguns teóricos pensam que devemos ter uma Corte muito ativista e flexível para fazer a Constituição ir à frente no século 21. Na minha opinião, se nós não tivéssemos tido juízes ativistas no início, nós não teríamos que fazer esse trabalho de restauração. Os juízes da primeira Corte fizeram o erro, que foi o ativismo, em vez de debater o texto. Trouxeram valores que não são legais, e isso motivou decisões que, no meu ponto de vista, foram erradas. Pessoas foram para a prisão por causa daquilo em que acreditam, pessoas foram mortas nas ruas porque o governo não lhes tira as armas, negros e brancos foram separados de maneira indigna por 50 ou 60 anos. Só porque algumas pessoas foram intransigentes e trabalharam duro por muito tempo, o significado da Constituição foi sendo restaurado.

Temos no Brasil o civil law, o senhor acha que algumas características do nosso sistema poderiam ser adotadas nos EUA?

O sistema de civil law, no meu ponto de vista, tem uma vantagem sobre o common law: há menos flexibilidade na interpretação da lei, porque toda área do direito, aqui no Brasil, está ditada por um código. Nos EUA, há diversas áreas muito importantes do direito em que o juiz decide sem código. Algumas vezes, as decisões são maravilhosas, mas, se você tiver um bom código, dá menos poder àquele que interpreta, e isso pode ser potencialmente bom.

Você acha que deveria haver mais códigos nos EUA?

Nós estamos com uma tendência de codificar mais áreas do direito do que costumávamos ter. Estamos tendo uma uniformização com o Uniform Commercial Code (UCC). Agora nós temos mais estatutos nos estados também. Mas é muito difícil fazer diferente da tradição do common law, na qual o juiz olha sempre primeiro para os fatos do caso. O juiz tem mais liberdade para julgar, mas isso me preocupa menos do que os casos em que citei em que se dá uma interpretação diferente aos textos constitucionais. Por exemplo, nos EUA nós temos uma tradição contra a tortura, que não é permitida. Mas, desde o 11 de Setembro, nós tivemos muitos equívocos sobre flexibilização, e as pessoas passaram a achar que em casos de emergência tudo muda.

O senhor também trabalha com literatura. Como mescla essa área com o direito?

Eu chamo isso de uma área do direito que é a interdisciplinaridade. Muitas escolas de direito dos EUA agora estão oferecendo literatura, e isso é muito animador. Mas não é necessário um tratamento especial à disciplina. Por exemplo, nós ensinamos ética e responsabilidade profissional lendo grandes histórias da nossa tradição sobre direito, podem ser romances, contos, programas de televisão, filmes. Nós ensinamos Kafka, Dostoievski, Dickens... A ideia é fazer os alunos verem o que o direito pode trazer de bom e de ruim para a população em geral. Dickens é um grande autor que trata sobre as responsabilidades dos advogados com seus clientes, porque muitos advogados em suas obras são verdadeiros vilões, é divertido, quase todos esses personagens são realmente maus. A representação desses advogados é bastante complexa, e a gente pode ver a conduta deles, como o personagem Mr. Tulkinghorn, especialmente como ele trata as suas clientes mulheres, ele literalmente as destrói.

Essa abordagem é inovadora no ensino do direito...

O direito historicamente não se refere só a uma autoridade que dita leis, é só voltarmos a Cícero, que era o grande orador romano, que escreveu tanto leis e grandes histórias. Não é algo novo, é algo antigo que precisa ser revivido.

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