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| Foto: Zinho Gomes/OAB-PR

Mentor da Lei de Acesso à Infor­mação, o maior passo brasileiro para fortalecer as políticas de transparência pública, Mário Vinícius Spinelli é autoridade internacional no combate à corrupção. Servidor de carreira da Controladoria-Geral da União (CGU), Spinelli ocupou por três anos o cargo de secretário de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas daquele órgão até ser convidado pelo prefeito Fernando Haddad, em janeiro de 2013, a assumir a Controladoria-Geral do Município de São Paulo. Há quase um ano e meio como controlador, prendeu cinco servidores da prefeitura paulistana, afastou outros 11 e desarticulou a chamada "máfia dos fiscais", que desviou cerca de R$ 500 milhões dos cofres da cidade. Antes de sair de Brasília, integrou a equipe que desenvolveu o projeto de lei que deu origem à Lei Anticorrupção. Spinelli conversou com a reportagem do Justiça & Direito durante um evento promovido pela Escola Superior de Advocacia (ESA), em Curitiba, para discutir a nova norma. Confira.

Como o senhor analisa a relação entre o setor público e o privado no país?

É uma relação marcada pela desconfiança. De fato, as empresas que se relacionam com o setor público têm de mudar o comportamento se queremos combater a corrupção no país. O setor público tem o seu dever, é fundamental ressaltar isso, mas o setor privado também precisa mudar o seu comportamento.

E a melhor maneira de engajar o setor privado na luta contra a corrupção é através de uma lei como essa?

No caso das empresas, sim. Eu acho que a lei reconhece aquelas organizações que têm engajamento na luta contra a corrupção, ao transformar, por exemplo, os mecanismos de compliance em atenuantes. E a lei atinge o ponto mais sensível das empresas que é o bolso. Prever sanções muito fortes em termos de valores é uma forma sim de mobilizar o setor privado na luta contra a corrupção.

De que outras formas o combate à corrupção deveria estar inserido na agenda brasileira?

Eu acho que a discussão deve estar inserida no debate político. Nós vemos que pouquíssimos candidatos inserem em seus programas de governo propostas efetivas para prevenir e combater a corrupção, como, por exemplo, o fortalecimento dos órgãos de controle interno. Hoje nós temos grandes prefeituras e estados que nem sequer possuem sistemas de controle interno adequadamente estruturados. Isso não é aceitável num país que quer se desenvolver. E acho que é preciso que a sociedade brasileira discuta e exija dos candidatos propostas muito claras com relação ao combate à corrupção no país. Isso também precisa ser discutido dentro das escolas e das casas das pessoas. Os pais precisam falar da corrupção com os filhos. Precisa ser feito com a corrupção o que foi feito com a questão ambiental. Transformar o assunto em tema de debate nacional. A corrupção é apontada como o principal problema a ser enfrentado no país no caminho para o desenvolvimento. Então não dá para tolerar algumas práticas que ainda fazem parte do nosso cotidiano.

Existe risco de a lei ser usada para atender interesses políticos ou corporativos, já que deixa a decisão nas mãos de autoridades nomeadas politicamente?

Eu acho que não existe a figura do controlador sem controle. Todo órgão público que tem um poder como esse que a lei confere tem que ter algum tipo de mecanismo de controle. E a sociedade pode representar um papel importante nisso. Há evidentemente mecanismos de controle que podem ser acionados. Se algum órgão público utilizar a lei de forma indevida, ele está sujeito a controles externos como o do Ministério Público e o do Tribunal de Contas. Há sempre que preservar esses mecanismos de controle das entidades com uma atribuição tão ampla e forte como essa lei confere. Inclusive, será mais um teste com relação à postura das empresas. Se elas forem objeto desse tipo de comportamento indevido, o que vão fazer? Irão aceitar esse tipo de perseguição? Pagarão propina para não receberem a multa? Ou elas vão mudar seu comportamento e procurarão as autoridades de controle externo? Qual será a postura das empresas?

O que o senhor acha da afirmação "com essa lei, o poder público reconheceu sua incapacidade de vigiar e investigar a corrupção dentro do próprio corpo e delegou essa responsabilidade ao setor privado?"

Eu acho uma tolice total. Se nós partimos desse pressuposto, vamos enxergar a corrupção como um problema exclusivo do setor público. E ela, na verdade, é um problema que envolve também o setor privado. Se nós partirmos desse tipo de raciocínio, o setor ambiental não poderia aplicar multas, os órgãos de regulação não poderiam aplicar multas. O setor privado está sujeito a normas que devem ser seguidas. Se isso não acontecer, ele pode receber sanções. A lei nada mais faz do que isso. Eu acho esse entendimento uma tolice.

Por que a lei brasileira não estabeleceu nenhuma postura preventiva às empresas?

Eu acho que isso virá, e é possível perceber, no caso da Controladoria-Geral da União (CGU), todo um esforço nesse sentido. A regulamentação já vai definir melhor o que será feito também. No caso da CGU, há um setor específico para cuidar do engajamento do setor privado, com manuais e parcerias com instituições. A CGU tem uma cartilha de responsabilização das empresas, em parceria com o Instituto Ethos, e criou o Cadastro Empresa Pró-Ética, que aponta companhias comprometidas com a ética e a integridade. É todo um esforço. Eu sempre quero deixar claro que a corrupção é sim um problema do setor público, mas não é só dele. O Brasil não pode ser um país de corruptos sem corruptores.

A corrupção inclusive prejudica muito o setor privado...

É muito importante ressaltar isso, que a corrupção traz danos muito severos para o setor privado. A corrupção reduz o nível de novos investimentos, promove a concorrência desleal, causa desconfiança. Um ambiente de desconfiança e pouca integridade é totalmente contaminado. Quando nós começamos a trabalhar lá em São Paulo, um grupo de empresas alemãs nos procurou e nos disse que iria fazer um relato para suas sedes na Alemanha, para incentivar novos investimentos na cidade, que a cidade estava mudando. Isso tudo gera um ambiente melhor para as empresas. E a lei vai ao encontro de uma iniciativa mundial de promoção de integridade nos negócios.

O decreto regulamentador [da Lei Anticorrupção] da cidade de São Paulo estabeleceu alguns parâmetros importantes para as empresas. O federal deve seguir a mesma linha?

Ele com certeza será um decreto muito bem elaborado e que vai nortear os outros estados. Evidentemente, se algum estado ou município quiser regulamentar com base no que São Paulo fez, é claro que vamos ver com bons olhos. Nós procuramos fazer o melhor possível. Foi um longo debate na prefeitura. Algum aprimoramento pode acontecer, mas a percepção que nós temos é que o decreto atendeu ao que as empresas esperavam. Nós temos recebido feedbacks positivos de instituições e representantes de empresas.

Qual a sua análise geral e a expectativa sobre a Lei Anticorrupção?

Eu acho que a lei é um marco no esforço que o país tem para reduzir a impunidade. A corrupção não pode ser um crime sem castigo. A corrupção é uma prática extremamente danosa para a sociedade e tem impactos muito severos, principalmente para os mais pobres. A lei representa um passo importante para a redução da impunidade e para uma tentativa de melhorar a relação entre o setor público e o privado no Brasil. Obviamente o esforço anticorrupção não se deve limitar à lei, mas ela chega numa hora em que o país precisa de fato promover mudanças na sua relação com o setor privado. Além dela, há coisas que ainda precisam ser feitas. Destaco a mudança no financiamento de campanhas, a criminalização do enriquecimento ilícito e a redução do rito processual. Nós não podemos esperar 10, 15 anos para que um processo de corrupção seja julgado. Há uma série de medidas que precisam ser tomadas. A lei de responsabilização das empresas é apenas mais uma.

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