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Especial

Executivo que legisla, Legislativo que remenda

Contrabandos legislativos e excessos cometidos pela Presidência da República aquecem a discussão sobre a revisão do processo das medidas provisórias

 | Ilustração: Felipe Lima
(Foto: Ilustração: Felipe Lima)

A prática de inserir penduricalhos legislativos em medidas provisórias ganhou mais um capítulo durante a aprovação da MP 627/13 na Câmara dos Deputados, no mês passado. A emenda "jabuti" da vez foi a previsão de teto para as multas aplicadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) às operadoras de planos de saúde. O objetivo original da MP editada pelo Executivo tratava de regras de tributação de subsidiárias de empresas brasileiras no exterior.

INFOGRÁFICO: Veja quantas MPs cada presidente editou desde a redemocratização do Brasil

A MP foi sancionada com vetos – entre eles a emenda da anistia aos planos de saúde – pela presidente Dilma Rousseff no prazo final para a decisão, mas a discussão permanece já que o caso não é exceção. A inclusão de matérias estranhas ao objeto de MPs – em geral através do relator do projeto na Câmara dos Deputados – levanta algumas questões sobre o aperfeiçoamento de todo o sistema de edição e tramitação dessa norma legislativa, criada na Constituição de 1988 para ser editada apenas em casos de relevância e urgência.

José Sarney, o primeiro presidente que pôde valer-se das MPs, editou em média sete delas por mês, durante os 17 meses de governo pós-constituinte. Os presidentes seguintes não fizeram diferente e editaram três ou mais medidas provisórias a cada 30 dias de governo, menos Fernando Collor de Mello, que editou 2,87 ao mês.

A voracidade do Executivo em legislar através das MPs é tema de embate constante entre os dois Poderes. Embora o artigo 62 da Constituição afirme que "em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional", senadores e deputados reclamam da banalização histórica do uso da norma pelos presidentes da República.

Reformas

Aprovada em 2001, a Emenda 32 alterou o processo legislativo e as regras de criação das MPs, com o objetivo de diminuir o uso desse poder pelo Executivo. Entre outras mudanças, a alteração constitucional proibiu a reedição ilimitada das medidas provisórias e definiu que, após perderem a validade, elas trancariam a pauta do Congresso enquanto não fossem votadas.

"Antes dessa emenda, o governo FHC editava sucessivas medidas provisórias, já não existia um limite máximo de reedição. Havia MPs que eram reeditadas 70 a 80 vezes. A Emenda 32 já veio para limitar o poder do chefe do Executivo com relação às MPs", afirma o professor da Unicuritiba Luiz Gustavo de Andrade, especialista em direito constitucional e eleitoral.

Iniciativa tímida e Congresso omisso

A tentativa de restrição à liberdade de atuação do Executivo por meio de medidas provisórias ainda é considerada tímida por especialistas. O professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais, Dimitri Dimoulis, explica que, apesar de alterar os prazos, a Presidência da República pode continuar editando MPs. "O procedimento pode até ficar mais rápido, mas não muda muita coisa. É como se tivéssemos uma parede toda suja e nós pintássemos apenas um quadradinho dela. É melhor? É, mas a sujeira continua lá", diz.

Contudo Dimoulis não considera a MP como algo ruim, mas sim necessário. "Se você for ver a lentidão do Legislativo e a urgência do Executivo, as MPs se fazem absolutamente necessárias. Eu não acredito que deveríamos tirar ou restringir as MPs. Eu diria que seria necessário o Legislativo ter maior agilidade de apreciação de textos", afirma.

O professor da Unicuritiba Luiz Gustavo de Andrade engrossa o coro que diz que o Congresso é lento e se deixa atrofiar. "Ao invés de o Legislativo tomar a frente e começar a rejeitar medidas provisórias que não apresentam os princípios de relevância e urgência, ele se sujeita à imposição que vem do Executivo. Hoje os parlamentares acabam se tornando sancionadores de atos legislativos que emanam do Poder errado", diz.

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