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Direito Comparado

Veja quais as regras seguidas pelas cortes superiores de outros países:

França: há um controle constitucional prévio, ou seja, antes mesmo de a lei ser aprovada pelo Executivo, o que diminui a ocorrência de casos judiciais que envolvam a constitucionalidade das leis.

EUA: a Suprema Corte do país revê decisões dos tribunais de segunda-instância, federais e estaduais. Mas a jurisdição é discricionária, ou seja, os juízes decidem apenas os casos que escolhem, que acreditam importantes para explicitação da Constituição Federal.

Alemanha: o controle de constitucionalidade raramente ocorre no caso concreto, mas sim abstratamente, ou seja, há repercussão de decisões para casos parecidos.

A recente notícia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá de decidir pelo arquivamento ou não de um processo criminal que trata do furto de duas aves reacendeu o debate sobre o papel da corte suprema do país na análise de casos aparentemente pequenos. A ação é contra Afanásio Maximiniano Guimarães, morador de Rochedo de Minas (MG), acusado de furtar um galo e uma galinha avaliados em R$ 40. Após a emissão de parecer do Ministério Público Federal, o caso deverá ser julgado pela 1.ª Turma do STF.

A defensoria pública tentou fazer com que o caso não chegasse tão longe, com base no princípio da insignificância e alegando que os animais foram devolvidos ao dono. Porém, o relator da ação, ministro Luiz Fux, negou o pedido de suspensão da ação. Mesmo assim o magistrado se mostrou preocupado. "Não tem sentido que um caso desse bata às portas da corte suprema do país, que tem obrigação de velar pelos valores constitucionais", disse em entrevista ao Fantástico, em abril.

Competência

Como explica o relatório do "Supremo em Números" – projeto da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio) apoiado pela Escola de Matemática Aplicada (EMAp) –, o STF possui três competências diversas: o de corte recursal, ordinária e constitucional. Esta última função ainda pode ser subdividida em duas, já que o STF é responsável por decidir o que é e o que não é compatível com a Constituição e, na decisão de casos concretos, dizer o que está e o que não está de acordo com a lei.

A análise da FGV mostra que, apesar de a Suprema Corte ter como papel principal a "guarda" da Constituição, os recursos – no qual se enquadra o caso de Afanásio – representam cerca de 91% da carga de processos que entraram no STF entre 1988 e 2009. Já as ações ordinárias são quase 8%, e apenas 0,5% referem-se a matérias constitucionais. Assim, como resume o relatório, quantitativamente, "o Supremo não é uma corte constitucional", mas está mais próximo de uma "corte recursal suprema".

Múltiplos acessos

Por ter competências diversas, o Supremo recebeu, desde 1988, 52 classes processuais diferentes, desde ações de inconstitucionalidade até queixas-crime. Conforme o estudo da FGV, "das grandes cortes judiciais do mundo ocidental, o Supremo é provavelmente a que oferece a maior multiplicidade de acesso". "Embora traga muito trabalho para o STF, é o modelo mais democrático, porque qualquer cidadão pode ter acesso ao tribunal constitucional", analisa o professor de Direito da UniBrasil, Paulo Schier.

Mesmo tendo esse viés mais democrático, o professor da FGV Direito Rio Ivar Hartmann, coordenador do "Supremo em Números", aponta que o STF acaba se desviando do seu papel principal. "Hoje, o STF não é uma corte constitucional, pela quantidade e pelos tipos de processos que julga. Mesmo o julgamento do mensalão, que é uma ação penal de primeira instância, também não deveria ser de competência de uma corte constitucional", aponta.

Para a professora de Direito Constitucional da PUCPR Claudia Maria Barbosa, o perfil do STF de "corte recursal" que, em tese, permitiria uma decisão "mais justa" para os casos, compromete a funcionalidade e a legitimidade do sistema. "Como dizia Ruy Barbosa, justiça tardia não é justiça, mas injustiça qualificada e manifesta", opina. Além disso, a ampla possibilidade de recursos, para ela, acaba desprestigiando o papel do juiz que teve contato direto com os fatos.

Legislativo

Projetos de lei propõem que Supremo seja apenas corte constitucional

De tempos em tempos, a discussão sobre a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) entra na pauta de debates no meio jurídico e legislativo. Há iniciativas para fortalecer os acordos extrajudiciais em casos considerados pequenos, o que diminui a carga de trabalho nos tribunais. Além disso, há um esforço para que casos julgados gerem repercussão em ações parecidas. Existem também, no âmbito legislativo, projetos de lei que pretendem restringir a entrada de ações de natureza não constitucional na Suprema Corte.

Com a instituição de alguns mecanismos, como a súmula vinculante e a repercussão geral, o STF teve sua pauta reduzida em 40% a partir de 2004. Mesmo assim, na análise do professor da FGV Direito Rio Ivar Hartmann, a carga de processos ainda é muito grande para uma corte suprema. "No ano passado, a estimativa é de 70 mil processos, enquanto que nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte julga 60 ações por ano que geram repercussão para outros", diz.

O professor de Direito Constitucional da UniBrasil Paulo Schier aponta, porém, que ainda pode levar um tempo para que as mudanças sejam sentidas de forma significativa no trabalho do STF. "Há uma tendência de que os casos diminuam. Mesmo assim, passamos por reformas que tiveram oportunidades de rever o papel do Supremo, mas isso não aconteceu. Embora os ministros reclamem do excesso de atribuições, a impressão que dá é que não existe uma vontade política para mudança."

A professora de Direito Constitucional da PUCPR Claudia Maria Barbosa explica que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também ajuda a diminuir a carga de processos que entram no STF, já que o tribunal atua como última instância em muitas ações. "Nossa Constituição, contudo, permite que muitas questões jurídicas sejam consideradas também um problema constitucional, o que acaba por levar um mesmo caso ao STJ e ao STF ao mesmo tempo", aponta.

Legislação

Há pelo menos dois projetos de emenda à Constituição tramitando na Câmara dos Deputados que pretendem criar uma corte exclusivamente constitucional no Brasil. O mais recente deles é do ano passado, de autoria da deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP). Entre as mudanças propostas estão a criação de uma corte constitucional que substituiria o STF, modificações na composição e forma de nomeação dos ministros deste e do STJ, além de alterações nas competências dos dois tribunais superiores para estabelecer uma natureza estritamente constitucional ao STF.

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