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Decisão sobre MPs expõe falta de diálogo

A reviravolta na decisão sobre a Ação Direta de Incons­titucionalidade (ADI) que tratava da criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, no começo do mês, suscitou críticas sobre a preparação prévia dos julgamentos do Supremo Tri­bu­nal Federal (STF). Para constitucionalistas, o tribunal poderia ter evitado o desgaste de alterar a sentença, se tivesse previsto o seu alcance diante de outras aproximadamente 560 medidas provisórias (MPs).

"Causa desconforto o fato de essas questões não terem sido consideradas antes, apenas após uma questão de ordem do advogado-geral da União", diz o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Pa­ra­ná (UFPR), Clèmerson Merlin Clève.

"É evidente que uma decisão dessas gera uma surpresa, uma sensação de que o Supremo precisaria estar mais atento, ter procurado outros órgãos para verificar os efeitos", afirma o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), que é mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A coordenadora do Núcleo de Constitucionalismo e Democracia da UFPR, Vera Karam Chueiri, avalia que, apesar das mudanças no jul­ga­mento, o STF abriu uma porta de diálogo com o Con­gresso ao modular a decisão para MPs futuras. "Não é nem uma questão de uma simples conversa, mas de se pensar melhor em soluções compartilhadas. É possível buscar caminhos melhores para todos." (AG)

Entrevista

"STF foi maduro", diz Adams

O ministro da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, elogiou a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) ao voltar atrás na decisão sobre as medidas provisórias. Adams esteve em Curitiba na última semana para proferir a palestra "Governo, Sociedade e Mercado: desafios, litígios e cooperação", na Estação Business School, e falou sobre o assunto à Gazeta do Povo. Veja os principais trechos da entrevista:

Voltar atrás

"O STF foi muito maduro como instituição, como poder, de compreender, em um segundo momento, o impacto da sua decisão e revê-la para garantir a estabilidade do país. E isso tem que ser valorizado porque o não compreender isso, por outra linha, é premiar a ideia de uma instabilidade constante no nosso processo político, jurídico. Eu acho que está se fazendo tempestade com relação a este fato quando deveria se estar comemorando de o Supremo ter a maturidade institucional, ser uma corte constitucional que compreende o seu papel de maneira a estabilizar o país."

Medidas provisórias

"A possibilidade de impasse é muito grande no processo de decisão legislativa. O problema de abrir a instituição da comissão mista como instância de deliberação é pelo fato de que essa comissão mista poder se tornar mais uma instância de impasse. E a medida provisória tem um prazo certo de aprovação. Eu não sou daqueles que vê a medida provisória como um mal."

Insegurança jurídica

"Insegurança jurídica é você realizar atos com base num sistema jurídico dado e de uma forma subsequente descobrir que aqueles atos são infundados. Você tem a sua conduta baseada numa compreensão do Direito que é dada pela legislação, mas também pelos tribunais e, no momento subsequente, é puxado seu tapete e você perde qualquer referência de como é que você vai se comportar. Isso que gera insegurança jurídica, o que o tribunal fez foi preservar."

Joana Santos Neitsch

  • Decisões recentes do STF suscitaram conflitos e levantaram dúvidas sobre segurança jurídica

Pelo menos quatro ações julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos cinco anos colocam à prova o sistema de pesos e contrapesos entre os poderes da República e abrem margem para a discussão sobre a segurança jurídica das decisões. Da instituição da fidelidade partidária, em 2007, à definição de uma nova jurisprudência para a tramitação de medidas provisórias (MPs), no começo deste mês, o Judiciário tem colidido com interesses do Executivo e do Legislativo. Os conflitos, que em alguns casos geraram mudanças no rumo das sentenças, são apontados por especialistas como um processo de amadurecimento da aplicação do texto constitucional.

Mais polêmica e recente, a decisão sobre as MPs foi gerada após uma reviravolta no STF. No último dia 7, os ministros consideraram parcialmente procedente uma Ação Direta de Incons­titucionalidade (ADI) que questionava a cria­­­ção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, em 2007. Eles interpretaram que a tramitação legislativa da MP que tratou do tema não cumpriu a determinação constitucional de passar pela apreciação de uma comissão mista de deputados federais e senadores, antes de ser votada em plenário.

A sentença poderia se estender a outras cerca de 560 medidas que se transformaram em leis de conversão a partir de 2001 e invalidar regras que tratam do reajuste do salário mínimo, do Bolsa Família e do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Um dia depois, o STF mudou a decisão para improcedente, graças a uma questão de ordem levantada pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. A alteração liberou o funcionamento do instituto sem ressalvas e estabeleceu que somente MPs futuras vão precisar passar pelas comissões mistas – as já aprovadas ou em tramitação continuam válidas.

Para Adams, a reforma da sentença não afeta a segurança jurídica brasileira, ao contrário do que ocorreria com a manutenção do primeiro resultado. "A decisão mantida como estava gerava uma insegurança muito grande para todos que tomaram decisão, que investiram no Brasil, que adquiriram casas, e permitiria ações oportunistas", afirmou. Já o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), disse que o STF "desconsiderou" os trâmites políticos do Congresso.

A troca de farpas entre congressistas e ministros do Supremo ganhou corpo nos últimos anos com o crescimen­­to do chamado ativismo judicial. Em 2007 e 2008, o STF foi acusado de extrapolar limites e "legislar" ao validar uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral sobre fidelidade partidária. Outros dois casos que geraram idas e vindas no STF referem-se à posse de suplentes de deputados e vereadores e à constitucionalidade da Ficha Limpa (leia mais no quadro ao lado). "O ativismo judicial, sobretudo na área eleitoral, gera absurdos sob o ponto de vista da segurança jurídica", diz o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Luiz Fernando Pereira.

Ele lembra que, graças à decisão sobre a fidelidade partidária, mais de mil vereadores paranaenses sofreram processos de perda de mandato. "O Supremo modulou a decisão com retroatividade e isso gerou uma instabilidade imensa", diz Pereira.

O advogado constitucionalista e cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Valdir Pucci, vê uma questão de ocupação de espaços. "Na medida em que o Executivo e o Legislativo concentram suas energias em questões internas, como disputas políticas por cargos, é natural que cresça o ativismo do Judiciário", diz ele.

Assim como Pucci, o dou­­tor em Direito Constitucional e professor da UnB Cristiano Paixão aponta que os conflitos são uma nova forma de ajuste do texto constitucional. "Não estamos acostumados a isso porque somos uma democracia jovem. Cada vez mais o Supremo será forçado a tomar decisões que prejudicam outros interesses. Faz parte do jogo", diz Paixão.

Colaborou Joana Neitsch

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