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Abuso do direito ao esquecimento coloca registros da história em risco

Projeto de lei do deputado Eduardo Cunha (PMDB) gera polêmica ao propor que informações desatualizadas sejam removidas de sites de busca da internet por solicitação de qualquer cidadão

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A possibilidade de que informações, ainda que verdadeiras, sobre qualquer pessoa sejam retiradas de circulação para que sua privacidade seja respeitada, o chamado direito ao esquecimento, se contrapõe à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. O debate sobre a questão se intensifica diante do o Projeto de Lei 7881/2014, que tramita na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado federal e presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB), defensor do direito ao esquecimento.

Extremamente sucinto, com menos de três linhas, o texto da proposta determina uma limpeza nas informações disponíveis na internet, sem prever critérios para que isso seja realizado ou o impacto que terá para os meios de comunicação e as pessoas que buscam se informar.

“É obrigatória a remoção de links dos mecanismos de busca da internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados, por iniciativa de qualquer cidadão ou a pedido da pessoa envolvida”, diz o PL na íntegra.

Para a presidente da ONG Palavra Aberta, Patrícia Blanco, o projeto de lei fere a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. “No meu ponto de vista é muito claro que toda e qualquer regra que estabeleça a retirada de conteúdo ou remoção de link de acesso a determinado conteúdo fere a liberdade de expressão e de imprensa”, explica.

Outro problema, de acordo com Patrícia, seria a edição de fatos históricos. “Você restringe a pesquisa, pode restringir a consulta de dados históricos, e principalmente pode acontecer de ter uma reinvenção da história”, analisa.

Opinião semelhante tem o advogado e professor de direito civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Xavier Leonardo. “Me parece que esse projeto de lei não fala do direito ao esquecimento, é um projeto de lei do direito de se apagar a história”, alerta. “O maior problema está no que diz respeito ao defasado. Porque a informação defasada deve ser complementada, mas não extirpada. Porque, não obstante a história tenha progredido, não tem sentido apagá-la do mundo”, explica o advogado.

O professor de direito constitucional da PUC-PR Jordão Violin concorda com a proposta de Cunha. “Argumenta-se que o direito ao esquecimento seria uma decorrência do direito à privacidade e à intimidade. Seria, portanto, um direito de personalidade”, diz o professor. Ele rebate o argumento de Patrícia. “Não se pode afirmar que a simples regulação do direito ao esquecimento seria uma violação à liberdade de expressão ou à liberdade de imprensa. Não há que se confundir interesse público com a mera curiosidade pública”, explica o professor da PUC.

Relevância

Outro problema do projeto de lei, de acordo com Xavier, é a definição da relevância dos fatos. “Quem vai definir o que é dado irrelevante? A relevância ou a irrelevância na história não costuma ser declarada pelos seus próprios protagonistas”, explica. “A interpretação dos dados irrelevantes pode ser muito controversa e, ao invés de a lei auxiliar a superação dos litígios, ela está ampliando essa possibilidade”, complementa.

“Da forma como ele [projeto de lei] está sendo colocado, a nossa preocupação é que ele interfira no direito à informação”, diz Patrícia Blanco, da ONG Palavra Aberta.

“O projeto não viola por si só a liberdade de informação ou a liberdade de imprensa, mas tem potencial para tanto, já que não define o que são dados irrelevantes”, reconhece Violin. “E, definitivamente, tem potencial para violar o direito à informação”, completa.

A reportagem tentou falar com o deputado Eduardo Cunha, autor do projeto, mas, segundo sua assessoria, ele não poderia atender até o fechamento da matéria.

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