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No início de maio deste ano, a FGV Direito Rio promoveu um evento de um só dia, com palestras e discussões acadêmicas que tiveram início às 09h45 e acabaram por volta das 18h (o almoço foi servido na mesa de debates...). Houve três palestras-chave (Luiz Roberto Barroso, Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques Neto), intermediadas por três grupos de breves exposições temáticas (num dos quais eu participei, com a apresentação de trabalho sobre os novos modelos regulatórios em infraestrutura). Sentaram-se à mesa economistas, juristas, engenheiros e técnicos de regulação e infraestrutura.

Mas, o que se debateu? Os temas eram diversos, mas a preocupação que os unia era uma só: afinal de contas, o modelo de agências reguladoras brasileiras vingou? Ele efetivamente existe ou se transformou numa promessa não cumprida? Que papel as agências desempenham – e quais poderiam/deveriam desempenhar? Elas estão funcionando ou efetivamente se transformaram naquilo que Eros Grau chamou de “agências, essas repartições públicas”?

Luiz Roberto Barroso narrou a história do papel desempenhado pelo Estado brasileiro na economia e da origem da concepção de que o “público” há de ser, necessariamente, estatal (com as marcas do patrimonialismo, do oficialismo e do autoritarismo). Depois, descreveu o modelo em que o Estado deixou de ser o protagonista e passa a regular a economia. Tudo isso para chegar a cinco das críticas lançadas contra o modelo das agências, quase 20 anos depois de sua constituição: não fizeram boa transição entre os governos; instalaram desconforto devido à criação de espaços não-hierarquizados; conviveram mal com a recente vocação intervencionista estatal; sofreram com o risco da captura e, especialmente depois de 2003, perderam relevância e deixaram de ser as protagonistas da regulação econômica brasileira. Na quadra atual, as agências precisam aprender a harmonizar os interesses de sua titularidade com aqueles das políticas governamentais (além das preocupações quanto à sua legitimidade democrática e à segurança jurídica que elas deveriam gerar). O modelo estaria, portanto, em xeque – e precisa ser debatido.

A exposição de Carlos Ari Sundfeld foi um testemunho ocular da história. Carlos Ari foi o autor daquela que é, até hoje, a principal lei das agências reguladoras (a Lei 9.472/1997, que criou a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL). Das promessas então feitas pelo modelo legislativo, algumas vingaram – outras, nem tanto. Dentre as que foram bem sucedidas, está a tentativa de conferir alguma racionalidade jurídica ao setor de telecomunicações (normas e processos preestabelecidos, de conhecimento público); a divisão formal de competências, com concentração decisória numa só instituição (apesar dos problemas oriundos do incentivo à judicialização dos dissabores – que contou com franco incentivo por parte de governos que não mais controlam as agências independentes) e a consolidação de decisões mais impessoais, oriundas de colegiados técnicos, que não são representantes deste ou daquele grupo político (o que vem acentuando a disputa política pela indicação dos dirigentes das agências – afinal, como Luiz Schymura destacou nos debates, hoje é politicamente mais vantajoso que o partido nomeie um diretor de agência, com mandato de quatro anos, do que um ministro que pode ser demitido amanhã...).

A terceira das palestras-chave foi a de Floriano de Azevedo Marques Neto, que apresentou alguns dos vícios e virtudes destes quase 20 anos de agências. Houve significativo amadurecimento institucional (leis e controle judicial, com consolidação das agências), mas pouco avanço na densificação “cultural” dessa ordem de relacionamento do Estado com a economia (deslegitimação, pouca aderência política, contraposições ideológicas a turvar o debate e descompromisso de parte dos agentes responsáveis). Dentre as virtudes mais significativas, está a permanência do quadro legal; a estabilidade do modelo; a criação de uma burocracia regulatória; a consolidação de processos decisórios; o prestígio ao modelo de Análise de Impacto Regulatório – AIR e a dissociação entre a regulação e a efetiva operação dos setores. Nem tudo são flores, portanto, pois precisamos conviver com os respectivos vícios, como a captura política das entidades; o esvaziamento dos meios que permitam a efetividade das agências; a renúncia à independência e a “síndrome de Pollyanna” regulatória (o “jogo do contente”, em que se supõe que todos devam amar a regulação e os reguladores). Claro que aqui foi colocada luz sobre aspecto decisivo do debate: as instituições mudam no curto prazo (basta uma medida provisória), mas a “cultura regulatória” demora bem mais e está sujeita a outros reveses e desafios.

Logo, o problema é bastante mais profundo do que a simples opção entre gostar ou não das agências reguladoras. Ainda não estamos certos se a nossa história convive bem com a construção desse modelo. O importante, agora, é debatê-lo intensamente. É imaturo simplesmente fingir que as agências não existem e tentar construir técnicas de institucionalizar o desprezo acadêmico por elas. Por outro lado, não bastam medidas provisórias, leis e regulamentos a criar instituições, mas sim é indispensável a convivência e o debate cultural a respeito dessa mudança, a tentar afastar o patrimonialismo e passar a bem conviver com estruturas em que o mercado e a concorrência regem algumas das relações sociais mais significativas, mas nelas não imperam sozinhos.

Como o Armando Castellar depois me escreveu num email, o encontro, as exposições e as discussões produziram bastante “food for thought” – ideias e temas para lá de interessantes, que precisam ser analisados e metabolizados em nossos debates sobre as agências reguladoras brasileiras.

Para quem tiver interesse, algumas das fotos do evento estão aqui:

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Dois pequenos vídeos e um baita agradecimento

Recentemente, eu recebi dois links com vídeos que podem interessar a quem quer estudar direito.

O primeiro, diz respeito a esforços e resultados. Será que existem textos “incompreensíveis”? Ou “tão difíceis” que não merecem ser lidos? Muito embora eu não aprecie a linguagem e o modo, sem dúvida este vídeo que o Leonardo Coelho Ribeiro me enviou merece ser visto, quando menos para algumas boas risadas e reflexões:

O segundo, quem me mandou foi a Camila Fukuyama. É uma aula – e que aula! – do Professor Boaventura de Sousa Santos a propósito das constituições – Para que servem as constituições? é o nome da magistral exposição, que está aqui:

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Além disso, é preciso fazer um agradecimento nesta minha primeira coluna virtual. Em julho de 2009, uma de minhas alunas de Direito Constitucional, a também jornalista Kamila Mendes Martins, desafiou-me a escrever um artigo para a Gazeta do Povo, a propósito da crise política que então assolava Honduras. O resto é história: já são quase seis anos e mais de 50 artigos publicados em papel e tinta. Agora, uma nova fase se instala – e eu não poderia deixar de agradecer a quem me incentivou a escrever o primeiro de todos. Muito obrigado, Kamila.

*Egon Bockmann Moreira: Professor da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR. Professor visitante da Faculdade de Direito de Lisboa (2011). Professor convidado do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação - CEDIPRE, da Faculdade de Direito de Coimbra (2012). Conferencista nas Universidades de Nankai e de JiLin, ambas na China (2012). Professor nos cursos de MBA, LLM e Educação Continuada na FGV/RJ. Possui Mestrado (1999) e Doutorado (2004) pela UFPR e Pós-Graduação em Regulação Pública da Economia e Concorrência pelo CEDIPRE (2002). Escreve às segundas-feiras, quinzenalmente, para o Justiça & Direito.

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