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“Oh tempos!; Oh costumes!” Em seu discurso no Senado, nas célebres Catilinárias, Cícero bradou contra os vícios e a corrupção de seu tempo. Tempos deploráveis, quando conspirações governavam Roma. As maneiras dos homens mereciam ser desprezadas em voz alta, repudiando-se a corrupção. Contudo e lamentavelmente, hoje bradou-se outro discurso no Senado brasileiro.

Afinal de contas, há algo de muito errado quando o presidente do Senado recusa-se a cumprir uma ordem judicial. E há algo de muito mais errado ainda quando outros senadores, que compõem a mesa diretora, referendam formalmente tal ato ilegal. Esses senhores esqueceram-se de que a mesma norma que lhes dá competência para serem senadores – a Constituição da República Federativa do Brasil – é aquela que outorga competência ao Supremo Tribunal Federal. Isto é, ao pretenderem negar validade à ordem de afastamento do presidente, os senadores estão negando a própria Constituição brasileira. Violam o fundamento de validade das próprias competências. Estão se voltando contra a norma que, até instantes atrás, lhes dava legitimidade.

A toda evidência, ninguém precisa gostar da ordem de afastamento. Pode-se insultá-la, discuti-la ou se debelar contra ela. Mas fato é que o ordenamento jurídico brasileiro indica com clareza o único lugar onde isso pode ser feito: no próprio Supremo Tribunal Federal, por meios de recursos e remédios extraordinários que a Constituição e as leis estabelecem. A sede para se debater a ordem de ministro do Supremo é o próprio Supremo; não o Senado. Neste local, por mais respeito que mereça, as ordens judiciais apenas e tão-somente podem ser cumpridas. O Senado precisa prestar deferência às ordens judiciais.

A toda evidência, ninguém precisa gostar da ordem de afastamento. Pode-se insultá-la, discuti-la ou se debelar contra ela. Mas fato é que o ordenamento jurídico brasileiro indica com clareza o único lugar onde isso pode ser feito: no próprio Supremo Tribunal Federal

De igual modo, é perfeitamente válido questionar-se a proporcionalidade da ordem liminar de afastamento: ela seria imprescindível para impedir que o presidente do senado integre a linha sucessória? Será que não seria muito mais simples suspender judicialmente essa hipótese? Afinal, na justa medida em que ele se tornou réu depois de assumir a presidência do Senado, por que não o manter no cargo, suprimindo apenas uma de suas atribuições? Isso pode – e deve – ser discutido.

Logo, é preciso muita atenção: o debate ainda está em aberto, eis que se trata de ordem liminar, concedida por um só ministro, no exercício delegado de competência que é de titularidade do órgão colegiado. A ordem judicial é precária e depende de referendo do próprio Supremo Tribunal Federal: que pode a confirmar, modificar, anular ou revogar.

Porém, nada, absolutamente nada, justifica ou autoriza o uso da força contra decisões da Justiça. Sim, porque é exatamente isso o que se deu no Senado: determinados senhores, arrogando-se poderes de que juridicamente não dispõem, pretenderam colocar-se acima do Supremo Tribunal Federal, das leis e da Constituição. Por meio da força – política, factual, qual quer que seja – impediram que se cumprisse uma ordem judicial. Poucas vezes houve tamanho desrespeito à Constituição brasileira. “Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?”

Egon Bockmann Moreira, advogado, doutor em Direito e professor da Faculdade de Direito da UFPR.
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