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Na obra clássica Introdução à Filosofia do Direito: Direito Natural e Justiça Material (1951), o inesquecível penalista Hans Welzel (1904-1977) referiu-se ao fenômeno da “anarquia das convicções” em determinado tempo e espaço da sociedade humana, com a grave dissolução de conteúdos valorativos, por um lado, e, por outro, à inesgotável riqueza de vida, com o sentimento positivo pelas novas e fecundas possibilidades.

Aquela contradição, imanente na filosofia de vida do início dos anos 1950 na Europa e, em especial, na França, motivaria a doutrina do Existencialismo, tendo por característica nuclear o sentido da liberdade humana radical. A palavra “existencialismo” remonta exclusivamente a Soren Kierkegaard (1813-1855), que lançou, pela primeira vez, o grito de combate contra a corrente da filosofia especulativa disseminada especialmente por Georg W.F. Hegel (1770-1830). Em outras palavras: o primado da existência sobre a essência humana – um homem concreto e, como diria Miguel de Unamuno (1864-1936), o imortal reitor da Universidade de Salamanca, “um homem de carne e osso”.

O movimento de estudantes secundaristas no Paraná, que já revelou o extraordinário número de 791 escolas ocupadas, parece invocar aquele estado de alma e de consciência. Um grande número de jovens desinformados protestam contra a Medida Provisória nº 746, que institui uma reforma no ensino médio do país. E, ainda mais: opõem-se à Proposta de Emenda Constitucional nº 241, que limita os gastos públicos como providência legislativa essencial para recuperar a fase de estabilidade econômica. Com efeito, a PEC – já aprovada pela Câmara dos Deputados em primeira discussão – estabelece que, a partir de 2017, as despesas primárias da União ficarão limitadas ao que foi gasto no ano anterior, corrigido pela inflação. Trata-se de iniciativa muito bem avaliada pela equipe econômica do governo federal, apoiada por órgãos, entidades e especialistas e de notável repercussão para a vida econômica e financeira nacional. A respeito do assunto, o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, declarou, em entrevista para a revista Veja: “Confiamos em que o Congresso Nacional aprovará essa medida que vai equilibrar as contas públicas. Esse é o caminho de nossa economia e para a criação de empregos de que o nosso povo precisa” (Edição nº 2499, 12.10.2016).

Em outra face do quadro de inquietação dos moços, a revista Veja, de 28 de setembro, publicou a reportagem de capa “Reviravolta na Escola”, afirmando que o governo lança uma medida provisória para sepultar “o modelo falido do ensino médio e põe no lugar um sistema mais flexível e mais atraente para os estudantes” (Edição nº 2497).

A opinião generalizada de autoridades e especialistas da área revela que o ensino médio brasileiro, público e particular, é engessado, ineficiente e desconectado do século XXI. Além disso, é profundamente ineficaz. Na lúcida e vigorosa crítica do economista Claudio de Moura Castro, articulista da Veja, o modelo nacional “é um dos piores do planeta”. Para melhor entendimento desse brutal extravio metodológico, é oportuno citar um trecho da matéria da aludida revista: “Uma soma de erros explica o fenômeno que enrubesce o Brasil a cada ranking. Um dos mais gritantes é a inflexibilidade do modelo em vigor, um ponto central que o governo ataca. Quem abriga um adolescente em casa com gosto pelas artes acompanha o martírio de vê-lo desbravar a fundo os labirintos da química orgânica. Outro, com vocação para as ciências, como Letícia Neves, que sonha em ser médica, pena com as minúcias da geografia. Não é que não possam expandir seu leque de interesses. Isso é inclusive desejável. O problema é o extremo que o atual modelo impõe: a obrigatoriedade de aprender quase tudo sobre quase tudo, à revelia de interesses, aptidões e projetos pessoais. Um afiado olhar de fora já percebia a distorção nos anos 1950. Em viagem ao Brasil, o americano Richard Feynman, prêmio Nobel de Física, desconstruiu o que na superfície parecia interessante. Observou que nunca vira um ‘currículo tão extenso e jovens que sabiam tão pouco’” (Veja, nº 2497, cit.).

Uma das grandes vantagens da inadiável mudança favorece o ensino técnico. Atualmente, quem escolhe essa modalidade precisa finalizar os três anos do ciclo médio. Ao contrário, a Medida Provisória nº 746 permite que o ensino técnico possa substituir disciplinas do médio naquela metade de tempo reservada à livre escolha do estudante. A proposta orientará racionalmente o aluno no mercado de trabalho, com características específicas que podem variar segundo as tendências pessoais e as possibilidades de emprego.

Lamentavelmente, porém, a esdrúxula ocupação das escolas está ameaçando até mesmo a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). De acordo com balanço recente do Ministério da Educação, 182 locais de prova no país estão ocupados por estudantes em protesto contra a PEC 241/2016 e a MP 746.

Em Curitiba, o tradicional Colégio Estadual do Paraná, construído em 1950 ao lado de outras relevantes obras do Governo do professor Bento Munhoz da Rocha Neto (1905-1973), foi alvo de um grosseiro e alienado ataque: em lugar da bandeira do Brasil, os jovens guiados pela ideologia de partidos políticos fascistas hastearam uma bandeira do regime comunista.

O episódio, pela pobreza intelectual e condicionamento ideológico, sugere a leitura da obra, “O fim do homem soviético - Um tempo de desencanto”, da escritora e jornalista Svetlana Aleksievicth (1948-), Prêmio Nobel de Literatura em 2015, que, em determinada passagem, diz: “Encontrei nas ruas jovens com a foice e o martelo e o retrato de Lenin nas camisetas. Saberão eles o que é o comunismo?”.

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