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O tributarista James Marins defende a necessidade da reforma tributária e a consequente melhoria na distribuição da carga de impostos. Para ele, essa reforma passa pela ética. “A primeira reforma que tem que ser feita no Brasil é uma reforma que passa por uma revisão ética da relação entre Estado e contribuinte”, argumenta o advogado que é presidente do Instituto Brasileiro de Procedimento e Processo Tributário (IPPT). Em entrevista ao Justiça & Direito, ele também criticou medidas como a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CMPF).

Marins acaba de lançar a 9ª edição do livro Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). A obra, que soma 25 mil exemplares vendidos em todas as edições, trata das principais questões teóricas e práticas do Processo Administrativo Tributário e do Processo Judicial Tributário. O volume foi atualizado com o Novo Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e com o Novo Código de Processo Civil.

Quais são os principais temas que seu o livro traz em relação ao direito tributário?

O grande tema é o problema da litigiosidade fiscal no Brasil. Essa litigiosidade que é a maior do mundo, existe porque há um desrespeito muito grande por parte de todos os governos, tanto do federal, como dos governo estaduais e municipais com relação aos limites da tributação.

Qual é a sua opinião sobre a volta da CPMF?

Hoje nós já vivemos um desequilíbrio muito grande no nosso sistema tributário porque todas essas iniciativas são evidentemente arrecadatórias. Um sistema tributário não pode ser exclusivamente arrecadatório. A tributação, além de servir para arrecadar, deve servir como um instrumento de estimulo às atividades econômicas desejáveis e de desestimulo às atividades econômicas indesejáveis. Infelizmente, no nosso país o governo olha apenas sob o ponto de vista arrecadatório puro. É uma força arrecadatória bruta, como costumo dizer e o resultado disso é o excesso de litigiosidade.

E o problema da CPMF é que é um tributo injusto na medida em que trata de forma igual situações completamente desiguais. Porque ela vai se aplicar sobre todas as operações financeiras, não importando se a pessoa tem capacidade contributiva, se tem riqueza para pagar tributo ou se ela é uma pessoa pobre que não tem a menor condição de suportar este tributo. E o que é pior, é um tributo que incide em diversas etapas do ciclo de produção e consumo, porque cada vez que você realizar uma operação financeira relativa a esse ciclo de produção e consumo, ela vai incidir novamente. Então acaba gerando um efeito muito perverso na economia. É um tapa buracos, que tem uma capacidade muito grande para prejudicar o funcionamento da economia.

Há necessidade de uma reforma tributária?

Um dado processual que espelha bem a gravidade do nosso problema: 40% de todo o acervo de processo do Poder Judiciário são execuções fiscais. Isso significa que o maior cliente do poder judiciário no Brasil são os próprios governos e em matéria tributária. Ora, se existe tanta litigiosidade é porque o sistema não está sendo respeitado, tanto por parte do governo, quanto por parte dos contribuintes. Isso gera um conflito que acaba desaguando em volume excessivo de processos. Então sim, nós temos que pensar numa reforma tributária, mas não em uma reforma arrecadatória. Nós temos que pensar em um sistema tributário capaz de transformar a realidade do nosso país e isso me parece estar muito longe da mentalidade dos nossos governantes.

Como poderia ocorrer essa transformação?

Em primeiro lugar não dá para se fazer uma transformação legal tributária sem um acordo ético, que exista entre os contribuintes e governantes. Veja por exemplo, as operações de investigação de grandes fraudes tributárias, no âmbito federal, a Operação Zelotes, que é um escândalo pavoroso e no âmbito estadual a Operação Publicano, que é um escândalo tributário mais pavoroso ainda. Porque tanto na Operação Zelotes, quanto na Operação Publicano, o que nós observamos é um conluio existente entre a própria Receita Federal com apoio de alguns maus agentes e com alguns empresários, que fazem ajustes para fraudar a arrecadação estadual, no caso do estado do Paraná com a Publicano, e federal, no caso da Zelotes.

Em outras palavras existe um descrédito muito grande nas instituições, então a primeira reforma que tem que ser feita é uma reforma que passa por uma revisão ética da relação entre Estado e contribuinte hoje no Brasil. Pois o Estado desconfia do contribuinte e ele também do próprio Estado. Isso gera uma ineficácia muito grande na arrecadação, porque falta a ela uma base de boa-fé, uma base ética é o mínimo na relação.

Como o senhor avalia a atual tabela de imposto de renda?

Nós vivemos num país que convive com a inflação, então não é justo que o governo se utilize da inflação para gerar ônus para os contribuintes. Eu defendo aquilo que eu chamo de indexação isonômica entre o contribuinte e a Fazenda Pública, o que significa simplesmente o seguinte: os mesmos critérios que são utilizados para os créditos do governo, têm que ser utilizados para os créditos do contribuinte também. Se nós vivemos num universo, no qual a inflação é uma realidade, deixar de corrigir a tabela não resolve o problema e sim acaba agravando. Eu acho que há uma má fé do ponto de vista do Estado quando deixa de corrigir a tabela de imposto de renda.

O processo tributário é pouco transparente e poucas pessoas entendem o que o governo está cobrando delas. Como que o senhor enxerga esse problema?

O governo tem uma tripla vantagem na relação tributária. O próprio governo que faz a lei, as leis tributárias não costumam sair do nosso Congresso, elas saem sempre das mesas do Poder Executivo. Tudo que o Poder Executivo apresenta, com pouquíssimas notificações, é aprovado. Então, o governo faz a lei para ele mesmo executar, ele tem uma estrutura caríssima, uma estrutura fazendária e arrecadatória caríssima. O que é pior ainda, em uma terceira etapa, se houver litígio, quem julga as nossas discussões com os contribuintes é o próprio governo, seja através do seu órgão administrativo, seja através do órgão judicial. Então é muito difícil a vida do contribuinte num quadro como este, é o que eu chamo de princípio da vulnerabilidade.

Na situação que o país se encontra hoje, quais medidas relacionadas ao direito tributário poderiam contribuir para melhorar a economia?

Temos que ter um processo seguro no nosso país. Há um clima de insegurança muito grande, porque há uma variabilidade muito grande das decisões. Isso acontece tanto no âmbito administrativo, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARFS), como acontece também no âmbito do Poder Judiciário. Determinadas orientações que esses tribunais adotam para julgar seus processos, muitas vezes são adotadas por esses tribunais por um, dois, três, quatro, cinco anos e depois repentinamente os órgãos administrativos que julgam os processos mudam a sua opinião, porque mudou a sua composição.

É preciso que os tribunais respeitem a eles mesmos nas suas composições anteriores, porque do ponto de vista da economia, uma das mais importantes conquistas de um sistema econômico eficaz é a segurança das regras do jogo. Então a maior alteração que nós temos que ter no nosso sistema tributário é aquela que promova a segurança jurídica das decisões, que não permita que alterações frequentes como acontecem no nosso país solapem a confiança dos agentes econômicos no sistema tributário de modo geral.

A aplicação de impostos maiores pode ser uma solução em algum caso?

Evidentemente, não. O que é preciso que haja é uma melhor distribuição da carga tributária. Há estudos muito importantes, tanto feitos aqui dentro no Brasil pelo Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), por exemplo, como pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que mostram que a nossa tributação é uma tributação regressiva. O que significa que quanto menos você ganha, mais você paga tributos. Mas como isso acontece? Acontece na medida em que as pessoas que ganham menos gastam mais o seu dinheiro no consumo direto. E este recurso que é gasto no consumo e que consome todo o salário, acaba gerando em termos de tributos, segundo pesquisas do IPEA, 53,9% de tributos para a faixa mais pobre da população. Então há uma má distribuição da carga tributária.

Na verdade, nós precisamos aumentar a base de arrecadação, isso é uma fórmula mundial. Ao invés de você aumentar a arrecadação sobre aqueles que já não têm condições de pagar mais tributos, é preciso aumentar a base de arrecadação onde existe mais riqueza. Diversos economistas hoje, como o Thomas Piketty, o Paul Krugman e também o Joseph Stiglitz, que são vencedores de Prêmios Nobel de economia, apontam que o 1% mais rico da população mundial detém uma quantidade muita expressiva de riqueza dos Produtos Interno Bruto (PIB) dos países. Mas eles pagam uma quantidade muito pequena de tributos em comparação com a população mais pobre.

Colaborou: Felipa Pinheiro

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