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Currículo

• Professor emérito de Teoria Geral do Estado da faculdade de direito da Universidade de São Paulo (USP), da qual foi diretor de 1986 a 1990

• Professor visitante da Universidade de Paris

• Membro do Advisory Committee do Brazil Center, da Universidade do Texas; membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, da qual foi presidente; da Associação Brasileira de Juristas Democratas; membro do Instituto dos Advogados de São Paulo e presidiu a Fundação Escola de Sociologia e Política

• Foi secretário dos Negócios Jurídicos da prefeitura de São Paulo, na gestão da prefeita Luiza Erundina (então PT)

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Diante do debate sobre a legalidade de se propor um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o jurista Dalmo de Abreu Dallari critica os argumentos daqueles que dizem que há fatos suficientes para imputar culpa a ela. Para Dallari, o parecer apresentado pelo jurista Ives Gandra Martins se baseia na teoria do domínio do fato e não traz elementos suficientes para comprovar a improbidade da presidente. Dallari está em Paris e conversou por telefone com o Justiça & Direito.

Quais embasamentos jurídicos seriam necessários para se instaurar um processo de impeachment?

Mesmo para que se atribua culpa a alguém, é preciso que essa pessoa tenha conhecimento do fato, que tenha se omitido porque não procurou saber. Se for admitida essa colocação [do dr. Ives Gandra Martins], então a presidenta será responsável por qualquer crime ocorrido no país. É um exagero. Ele se baseou em uma teoria muito recente, que apareceu na Alemanha, que se chama domínio do fato.

No que consiste essa teoria?

É uma teoria inventada recentemente para fingir que é jurídica, mas é falsamente jurídica. É uma acusação baseada na suposição, é o achismo. "Eu acho que ela sabia, então ela é responsável." Mas isso não é fundamento. Segundo essa teoria, eu não preciso provar que a pessoa conhecia, sabia, podia ou devia ter feito alguma coisa. Eu suponho que ela sabia ou podia fazer, que ela tinha conhecimento de tudo que estava acontecendo, o que é um evidente absurdo, um exagero. No Brasil não se aceita isso, nem em nenhuma parte do mundo. No nosso direito, no direito internacional, para responsabilizar alguém, é preciso que haja prova, que haja um elemento concreto, que demonstre a responsabilidade. Ainda que seja por culpa e não por dolo, é preciso que a pessoa tenha conhecimento do fato. Dolo é quando a pessoa quer que seja cometido. E culpa é quando a pessoa sabe que o crime está sendo cometido, pode evitar e não faz nada.

Então, para o senhor, a presidente não tem culpa?

Para atribuir essa responsabilidade, para comprovar isso, é preciso provar que a pessoa tinha conhecimento e tinha possibilidade de impedir o crime. São duas exigência fundamentais. Ele [dr. Ives Gandra Martins] não indicou um único elemento que demonstre que a presidenta tinha conhecimento dos fatos. Por isso, a tese dele é completamente inconsistente, não tem base, não tem fundamento, não é uma tese juridicamente válida. Porque, mesmo para alegar a culpa, não houve a intenção, mas tomou uma atitude ou de omissão ou não quis ver. Tudo isso para que o crime fosse cometido. Mas é preciso provar, e isso ele não demonstrou de maneira alguma. Em casos que aconteceram no Congresso nacional, já se aventou, já se mencionou essa doutrina jurídica que ele está usando, como no caso do mensalão, mas foi rejeitada. Seria importantíssimo ressaltar que o próprio Ives já escreveu rejeitando essa doutrina, dizendo que ela é um absurdo. E como é que agora ele quer aplicar? Eu também estou de acordo, é um absurdo, mas é mais absurdo ainda ele, depois de dizer isso, querer aplicar a doutrina.

Mas, se essa interpretação for válida, outros gestores podem ser cobrados, não?

Por exemplo, durante o governo Fernando Henrique, nos processos de privatização, houve muita corrupção, então agora ele deveria ser processado criminalmente, se for aplicada a tese do Ives. Vamos supor que o Fernando Henrique conhecia tudo e vamos processá-lo. Mas, a menos que se levante algum dado concreto, não se pode fazer isso, não é só supor .

A decisão sobre o impeachment é política ou jurídica?

Não é aceitável de jeito algum dizer que essa é uma decisão política. É uma decisão que tem efeitos políticos, mas é jurídica. É um ato jurídico que vai cassar direitos. É uma decisão tomada pelo parlamento, por agentes políticos, mas tem que ter fundamento jurídico. Não basta a pessoa dizer "eu quero, eu acho". É preciso cumprir as exigências, uma delas é a comprovação da responsabilidade da presidenta Dilma. Ele [dr.Ives Gandra Martins] não indicou um elemento que permita afirmar que ela sabia ou que podia ter impedido. É preciso que ela tivesse conhecimento do fato, tivesse a possibilidade de evitar e pura e simplesmente se omitiu.

De acordo com o senhor, não há fundamento jurídico, mas, se houver uma iniciativa para um processo de impeachment, quais os procedimentos precisariam ser tomados pela presidente?

Mandado de segurança, é uma ação prevista no direito brasileiro contra ato ilegal de alguma autoridade, que neste caso seria Senado.

O senhor aceitaria o convite para escrever um parecer com seu ponto de vista da inviabilidade do impeachment?

No momento, não tenho condições, estou longe, sem possibilidades práticas. Fora isso, não tenho dúvidas. Se isso chegar até abril, quando volto ao Brasil, eu tranquilamente aceitaria.

Qual a sua posição pessoal a respeito do governo?

Antes de mais nada, não tenho vínculo com nenhum partido e nunca tive com nenhum desses partidos que existem hoje no Brasil. Minha única filiação partidária foi há muitos e muitos anos, antes do Golpe de 1964, com o antigo Partido Libertador. Depois houve o golpe, o partido foi extinto e, mesmo quando criaram o PT, quando houve a Constituinte, vários partidos me convidaram para entrar e eu me recusei, porque eu sou jurista, eu não quero vinculação partidária, isso tira a minha independência. E eu sou brasileiro, sou cidadão, tenho absoluta confiança na presidenta Dilma, acho que ela tem uma postura ética inatacável. Às vezes discordo de alguma decisão do ponto de vista político, administrativo, mas não tenho a mínima restrição do ponto de vista ético e jurídico.

Caso viesse a ocorrer um impeachment no nosso país, como ficaria a realidade social e política?

Seria um desastre, seria a porta aberta para a ditadura, porque tirar de maneira ilegal um presidente eleito com folgada maioria, pelo povo, acaba com a Constituição. Aí, vale tudo. O impeachment seria o começo de uma ditadura.

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