
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do HC 126292, que fixou o entendimento de que, após a condenação em segunda instância, a execução da pena deve ter início respondeu a um clamor popular para a que punição de criminosos ocorra de maneira mais rápida. O resultado foi comemorado por representantes da magistratura e do Ministério Público. Mas há juristas que questionam a constitucionalidade da decisão e consideram que os caminhos para dar celeridade à execução penal deveriam ser outros.
Um dos questionamentos sobre a decisão é o fato de o Supremo decidir sobre algo que deveria ser deliberado pelo Congresso Nacional, praticando assim o ativismo judiciário. Outra questão é que uma cláusula pétrea da Constituição estaria sendo desrespeitada. Além disso, o Brasil estaria contrariando até mesmo Convenção Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
Para o procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná Rodrigo Chemim Guimarães, o STF “acertou na tentativa de resolver um problema de impunidade, mas errou na forma”. Isso porque a decisão não seguiu a literalidade do texto constitucional e, segundo ele, tecnicamente está errada. “No entanto, o STF procurou resolver um problema sério do sistema penal brasileiro relacionado à infindável possibilidade recursal somada à frouxa mecânica prescricional, que acaba premiando a impunidade, principalmente dos delitos do colarinho branco, que costumam ter penas mínimas muito brandas”, diz Guimarães.
O penalista René Dotti classifica a medida como populista. “Trata-se de uma decisão que será aplaudida pela sociedade, porque essa mesma sociedade não está sendo informada devidamente da situação dos recursos de nosso país”.
Alternativas
O caminho apontado por alguns dos juristas entrevistados seria a intervenção na legislação referente a recursos e não no texto constitucional.
Thiago Bottino, professor da FGV-Direito Rio, explica que há uma série de recursos que podem ser apresentados aos tribunais superiores e que, enquanto esses recursos não forem julgados, a decisão não pode ser considerada como decisão final. Uma alternativa seria alterar os tipos de recursos existentes e sua tramitação com, por exemplo, a reforma do Código de Processo Penal. Mas isso deveria ser feito via Congresso Nacional.
Guimarães aponta que também poderiam ser alternativas o fim da prescrição enquanto tramitam os recursos da defesa, e o redimensionamento da função do STF para um modelo semelhante ao da Suprema Corte dos Estados Unidos. “Ao invés de julgar 93 mil recursos, como ocorreu, por exemplo, em 2015, o Supremo deveria operar como uma efetiva Corte Constitucional”, avalia o procurador.
Cláusula pétrea
O inciso LVII do artigo 5º da Constituição federal determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Bottino explica que, por essa ser uma garantia individual, nem mesmo o Congresso Nacional poderia fazer uma alteração neste direito constitucional. Somente uma constituinte poderia mudar essa norma.
Segundo o professor da FGV-Rio é comum o STF fugir da literalidade do texto constitucional para ampliar direitos, mas nesse caso, ocorreu o contrário: a restrição de direitos.
O professor de direito penal do Unicuritiba Christian Laufer observa que há uma “posição muito clara do Constituinte sobre a questão e qualquer opinião diversa é inconstitucional”.
Renato Andrade, conselheiro federal da OAB pela seccional do Paraná, lembra ainda dos direitos constitucionais ao devido processo legal e à presunção da inocência. “Se a pessoa pode recorrer inclusive para os tribunais superiores, evidentemente que isso se aplica com o princípio da presunção de inocência”, diz o advogado.
Dotti lembra ainda que um recurso só vai para os tribunais superiores quando o próprio tribunal de segunda instância, onde a decisão foi tomada, aprova que recurso seja enviado aos à próxima instância. “Como se executa a prisão quando o próprio tribunal [onde ela foi decidida] admite o processamento de recursos?”, pergunta o advogado.
Consequências
Laufer ressalta que, ainda que a maioria das decisões não seja revertida pelos tribunais superiores, “a simples possibilidade de uma decisão ser revista já não é compatível com a democracia”. “A democracia convive muito mal com um inocente preso”, completa o professor do Unicuritiba.
Andrade questiona que providências serão tomadas quando forem verificadas prisões indevidas: “O cidadão vai ser ressarcido pelo tempo que passou na cadeia indevidamente?”.
Corte Interamericana
Como o STF é a mais alta instância do Judiciário no Brasil, em tese não haveria mais recurso sobre essa decisão. Mas juristas já indicam a possibilidade de a Corte Interamericana de Direitos Humanos ser acionada.
A mesma convenção prevê ressarcimento àqueles que pagarem por um crime que não cometeram: “Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário”, diz o artigo 10º do documento.
Avanço
Em nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) classifica a decisão do STF de “extrema relevância para a sociedade” e um marco para o processo penal no Brasil. “Recursos por vezes protelatórios não terão mais o condão de fomentar a impunidade criminal”, afirma o presidente da instituição, Antônio César Bochenek.
A nota diz ainda que a decisão valoriza as decisões de juízes de 1º e 2º grau. “Em última análise, será fortalecida a Justiça Brasileira, em benefício de todos os cidadãos”, afirma o presidente da Ajufe.



