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Celso de Mello foi o último a votar contra a execução da pena após condenação em segundo grau de jurisdição. | Nelson Jr./SCO/STF
Celso de Mello foi o último a votar contra a execução da pena após condenação em segundo grau de jurisdição.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina que a execução da pena deve ocorrer a partir da decisão em segunda instância está sendo comemorada por alguns setores da sociedade como um passo importante para combater a impunidade. Por outro lado, juristas apontam consequências da decisão que podem não ser positivas tanto do ponto de vista conceitual quanto do prático. Ao decidir nesse sentido, o Supremo estaria flexibilizando garantias constitucionais. Além disso, na prática pode ocorrer um aumento do encarceramento e o Estado ser obrigado a indenizar aqueles que cumprirem pena indevidamente.

Em fevereiro, o STF já havia se pronunciado sobre o tema ao julgar um habeas corpus e considerado que a pena deveria ser cumprida a partir da decisão em segundo grau. Mas, naquela ocasião, a deliberação valia apena para aquele caso. Agora, o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43 e 44 têm efeito vinculante, ou seja, o entendimento deve ser aplicado por todos os juízes em todos os tribunais do país. Caso algum juiz não siga esse direcionamento, é possível apresentar uma reclamação diretamente ao Supremo.

O juiz Sergio Moro elogiou em uma nota a decisão do STF: “A decisão do Supremo só merece elogios e reinsere o Brasil nos parâmetros sobre a matéria utilizados internacionalmente. A decisão fechou uma das janelas da impunidade no processo penal brasileiro”, disse o magistrado.

A força-tarefa do Ministério Público Federal que atua na Lava Jato também se manifestou em nota apontando a decisão como “um importante marco na direção de uma Justiça Criminal efetiva em relação a réus de colarinho branco, que respeita os direitos fundamentais não só dos réus, mas também das vítimas e da sociedade”.

O MPF cita ainda a peculiaridade do Brasil que tem quatro instâncias de julgamento e que alguns casos chegam a ter mais de uma centena de recursos, o que acaba levando à prescrição de crimes cometidos por pessoas ricas e influentes. Para os procuradores, essa demora seria incompatível com a democracia.

“Há um anseio da sociedade pela rápida conclusão dos processos e pelo fim da sensação de impunidade no Brasil. Em nenhuma democracia do mundo há tantas possibilidades de recursos judiciais o que, de fato, vem impedindo a boa aplicação da Justiça”, disse o presidente do da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Carlos Eduardo Sobral, em nota divulgada após a decisão do STF.

Críticas

A pesquisadora Heloísa Machado de Almeida do projeto Supremo em Pauta, da FGV-São Paulo, critica a decisão em diversos aspectos. O primeiro deles é que caberia ao STF ao julgar as ações analisar a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) e não fazer uma livre interpretação do princípio da presunção de inocência. Para ela, o Supremo alterou uma legislação que estava em bastante consonância com a Constituição. O CPP prevê que a prisão só ocorrerá após a decisão ter transitado em julgado e a Constituição diz que só haverá culpa após o trânsito em julgado.

Para o jurista René Ariel Dotti, “a demora de julgamento não pode ser debitada nem ao réu, nem ao seu advogado”. Na opinião dele, não se pode restringir direitos para compensar a falta de estrutura do Judiciário. Ele cita como exemplo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, quando foi criado, em 1989, era composto por 33 ministros e tinha 6.103 processos; e em 2015 são 332.905 processos e a mesma quantidade de ministros.

Dotti considera ainda que um a cláusula pétrea foi desrespeitada e que o princípio da presunção da inocência se aplica ao direito penal, por isso, não se pode fazer comparações com a Lei da Ficha Limpa, da esfera eleitoral, que prevê a inelegibilidade a partir de uma condenação por um colegiado.

A pesquisadora da FGV-São Paulo avalia ainda que a decisão deve “abarrotar presídios” e que não somente os réus de colarinho branco serão presos antes do trânsito em julgado, mas todos. Na opinião dela, não se deveria suprimir direitos dos que têm mais condições, mas dar mais oportunidade de defesa aos mais pobres: “A ideia de Estado de direito é uma ideia que sirva aos pobres e aos ricos.”

Tanto Dotti quanto Heloísa apostam que decisões que sejam revertidas em instâncias superiores podem acabar gerando direito à indenização por aqueles que cumpriram pena indevidamente. “Haverá indenização caso haja erro judicial e privação de liberdade”, diz a professora da FGV.

“O processo criminal não se esgota na segunda instância. Um HC pode anular decisão. Há recurso especial, recurso extraordinário, etc.”, ressalta Dotti.

Reversão

A partir de agora, o entendimento sobre a matéria provavelmente só será alterado com mudança na composição da corte. De fevereiro para agora, apenas o ministro Dias Toffoli mudou de opinião – era a favor e passou a ser contrário à condenação a partir do segundo grau. Portanto as decisões devem começar a cumprir o entendimento do STF.

Mas nada impede que no futuro o tema seja trazido novamente à corte. Heloísa relembra o caso dos embargos infringentes do mensalão, quando o voto do então novato Luís Roberto Barroso mudou resultado. “Os embargos infringentes do mensalão são prova viva de que basta mudar o ministro”, diz a professora da FGV.

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