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Envolvimento de Vargas levou a Lava Jato ao STF | José Cruz/Agência Brasil
Envolvimento de Vargas levou a Lava Jato ao STF| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Voto anterior

O ministro do STF Teori Zavascki recebeu na sexta-feira toda a investigação da Operação Lava Jato – que, até então, era comandada pela Justiça Federal do Paraná. Com base nos documentos, ele vai decidir se os inquéritos e ações penais serão ou não desmembrados, já que citam o envolvimento de três deputados federais. Baseando-se em um voto anterior, é possível projetar – mas não garantir – que há grandes chances de Zavascki desmembrar o caso. Foi assim que ele decidiu no recente julgamento do inquérito do deputado federal Arthur Lira (PP-AL).

Legislativo

Congresso tem vários projetos para acabar com o benefício

O foro privilegiado é adotado no Brasil desde a Constituição de 1891. Porém, há no Congresso Nacional diversas propostas de emenda constitucional (PECs) para limitar ou até mesmo acabar com o direito concedido às autoridades políticas, jurídicas e membros do Ministério Público. Muitas das propostas, no entanto, estão paradas. Uma delas, que tramita na Câmara dos Deputados desde 2005, ganhou parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça no mês de março.

Especialistas consultados pela reportagem consideram difícil que ocorram mudanças, pois isso depende dos senadores e deputados, que também são beneficiados pelo foro especial. "É mais realista aprender a lidar com esse sistema", diz o professor Thiago Bottino, da FVG Direito Rio. Segundo ele, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal têm defendido a criação de uma vara especializada em julgar autoridades com foro especial.

O promotor Mário Ramidoff diz que, dentre as mudanças no Código de Processo Penal em discussão, está a criação do "juiz das garantias" – que atuaria apenas na fase de investigação policial, conferindo maior celeridade aos processos. Já o professor de Direito da PUCPR Vladimir de Freitas acredita que a melhor solução seria restringir o foro privilegiado às três autoridades máximas do país ou, ao menos, para processos em que a autoridade pública cometa um crime relacionado ao exercício da função.

  • Ezequias: quase um ano para decidir se tem foro
  • Barroso: proposta para unificar o entendimento

Duas decisões judiciais da semana que passou mostraram como o foro privilegiado de autoridades provoca atrasos no andamento de investigações criminais e nos julgamentos da Justiça.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki suspendeu a investigação da Operação Lava Jato e requisitou todos os processos do caso, que estavam na primeira instância, porque três deputados federais são citados nos inquéritos da Polícia Federal (PF) – André Vargas (sem partido-PR), Luiz Argôlo (SDD-BA) e Cândido Vaccarezza (PT-SP). A operação investigava as relações do doleiro Alberto Youssef com políticos, dentre outros casos.

Já o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ), após quase um ano de análise, decidiu que o secretário estadual do Cerimonial e Relações Internacionais, Ezequias Moreira, acusado de ter se apropriado de dinheiro da Assembleia Legislativa no caso que ficou conhecido como escândalo da sogra fantasma, tem direito a foro privilegiado. Durante esse período, o julgamento dele ficou suspenso.

Direito problemático

O foro privilegiado é um direito constitucional que prevê que determinadas autoridades devem ser julgadas apenas por colegiados quando são acusadas de crimes. Foi instituído para proteger ocupantes de cargos importantes de perseguições políticas locais, que pudessem ser praticadas por juízes de primeira instância.

Mas o direito vem causando entraves às investigações criminais e aos julgamentos da Justiça. Quando uma investigação "esbarra" em um político, tudo tem de ser suspenso até que o órgão judicial competente para julgá-lo decida o que fazer com o processo: se fica com todo o inquérito ou se desmembra a parte referente à autoridade e remete de volta o restante para a primeira instância. É essa a atual situação da Lava Jato, porque o foro de julgamento dos deputados federais é o STF.

Especialistas afirmam, porém, que não há critérios para o desmembramento nesses casos. "Deve haver uma definição mais clara de como fica a divisão de processos que envolvem pessoas com e sem foro", diz o professor da FGV Direito Rio, Thiago Bottino. E tudo isso leva tempo, atrasando as investigações.

Outro problema ocorre quando o político perde ou ganha o foro privilegiado. Toda vez que isso ocorre, o foro de julgamento, em tese, tem de mudar de instância judicial – o que atrasa a conclusão do processo.

Foi o que ocorreu com Ezequias Moreira. No ano passado, ele foi nomeado secretário estadual, cargo que lhe dá foro especial no TJ. O Judiciário paranaense levou quase um ano para decidir se ele tinha direito ao benefício ou se deveria continuar respondendo na primeira instância. Se Ezequias se demitir do cargo, porém, o caso volta ao primeiro grau.

Burocracia

"O processo jurídico brasileiro já é burocrático. Nesses casos [de avaliação do foro privilegiado], é o dobro", diz o professor de Direito da PUCPR e desembargador federal aposentado Vladimir de Freitas. Ele aponta como obstáculos a falta de preparação de desembargadores e ministros de tribunais superiores para investigar crimes, o que resulta em atrasos de uma decisão final.

"A lei [do foro privilegiado] foi mal concebida e o Judiciário não se vê instrumentalizado para levar a cabo uma investigação como ela deveria ser feita", diz o promotor Mário Ramidoff.

Decisões do STF sobre o tema têm sido contraditórias

Euclides Lucas Garcia

"O STF [Supremo Tribunal Federal] quer ser, ao mesmo tempo, um Tribunal de Justiça e uma corte constitucional. Isso não tem cabimento." A afirmação de Romeu Bacellar Filho, professor da UFPR e membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, externa o sentimento de boa parte dos advogados e juristas do país. Para eles, decisões como a do ministro Teori Zavascki em relação à Operação Lava Jato sobrecarregaram ainda mais o STF, que já sofre com a quantidade enorme de processos. E, além disso, desvalorizam o trabalho da 1.ª instância, que conhece muito mais a fundo os casos investigados.

O desmembramento – ou não – de processos envolvendo autoridades com direito a foro privilegiado tem externado as contradições entre os atuais 11 ministros do Supremo. Em 2009, a corte decidiu desmembrar a ação do mensalão mineiro, que envolvia o então senador Eduardo Azeredo (PSDB) e outras 14 pessoas sem direito a foro. Três anos depois, no entanto, ao julgar o caso do mensalão do PT, optou-se pelo não desmembramento do processo, apesar de apenas 3 dos 38 réus exercerem, à época, mandato de deputado federal.

Recentemente, em fevereiro deste ano, ao julgarem um inquérito envolvendo o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), os ministros, por proposição de Luís Roberto Barroso, concordaram que o desmembramento de processos deve passar a ser regra geral em casos de prerrogativa de foro. Ou seja: só as autoridades devem ser julgadas pelas cortes superiores; os demais réus do mesmo processo têm de ser julgados na 1.ª instância. Para ele, o não desmembramento só deve ocorrer quando os fatos investigados estejam tão relacionados que julgá-los separadamente seria muito prejudicial.

Para o jurista Luiz Edson Fachin, professor da UFPR e membro da Academia Brasileira de Direito Cons­titucional, passava da hora de o Supremo estabelecer esse marco. "O STF já está recheado de casos que, a rigor, desnaturam o conceito de corte constitucional que deveria ter", diz. "Até porque é fundamental valorizar a Justiça de 1.º grau, que conhece melhor o processo."

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