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“Na verdade, o presidente quis justificar suas alianças. Não quero questionar as alianças que ele faz. Quero dizer que não faço aliança a qualquer custo.”, Gilberto Kassab (DEM), prefeito de São Paulo | Antônio  Cruz/ABr
“Na verdade, o presidente quis justificar suas alianças. Não quero questionar as alianças que ele faz. Quero dizer que não faço aliança a qualquer custo.”, Gilberto Kassab (DEM), prefeito de São Paulo| Foto: Antônio Cruz/ABr
  • Cristovam: boa ideia, mas sem chance de virar lei.

Ao tentar "conciliar" Jesus Cristo e Judas na semana passada, o presidente Lula mexeu com uma polêmica que vai além da religião e resvalou em uma das maiores feridas da política brasileira. Afinal de contas, até que ponto é possível fazer alianças em nome da governabilidade do país? Para estudiosos sobre o tema, o limite é tênue, mas a prática da administração petista não é novidade.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Lula disse que, no Brasil, "Jesus teria que se aliar a Judas". A declaração remete à definição de "presidencialismo de coalizão", historicamente utilizado no país desde a década de 1940 e que teve uma pausa entre a ditadura militar (1964-1985). O termo sintetiza a suposta necessidade de parcerias partidárias e regionais para manter a estabilidade administrativa brasileira.

Em resumo, o presidente cede poder e cargos no governo para le­­­gendas com significativa representação no Congresso. Em troca, garante maioria para as votações no Poder Legislativo. O problema é que nem sempre (ou quase nunca) essas parcerias são motivadas por critérios ideológicos.

O modelo foi estudado academicamente pela primeira vez em 1988 pelo cientista político Sérgio Abranches no livro Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. A obra, que avalia o período entre 1946 e 1964, classifica o sistema como "instável e de alto risco" porque confronta a autoridade pre­­­­­sidencial com lideranças regionais e facções internas de diversos partidos. Essas características, segundo ele, permanecem nos dias de hoje.

"As questões estruturais desse modelo deveriam ter sido corrigidas pela Constituinte, mas não foram. Deu no que deu", afirma Abranches, pós-doutor em Ciên­­­cias Políticas pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Segundo ele, o sistema está ligado ao imediatismo da política nacional. "As lideranças não estão interessadas em propostas de longo prazo, querem saber quem vai chegar ao poder e com quem vai reparti-lo."

Já o cientista político Antônio Octavio Cintra, da Universidade Federal de Minas Gerais, explica que a tese de Abranches tem contrapontos. "Há quem defenda nosso modelo dizendo que, na verdade, ele não é tão diverso do parlamentarismo e é mais plural do que o presidencialismo clássico." Para ele, entretanto, a necessidade de coalizão é um problema que deriva do multipartidarismo.

Bipartidarismo

No principal exemplo de presidencialismo do mundo, os Estados Unidos, o que impera é o bipartidarismo entre democratas e republicanos. Ou seja, quem ganha a eleição administra – sem espaços para os adversários. Já a coalizão é mais adotada em modelos parlamentaristas nos quais a divisão de cargos no Poder Executivo decorre do desempenho das legendas nas eleições para o Legislativo.

"A princípio, não há qualquer problema em fazer um governo de coalizão. A distorção no caso brasileiro é que as alianças são feitas depois das eleições, ou seja, partidos que foram inimigos durante a campanha tornam-se aliados na administração apenas por barganha. É uma traição à decisão do eleitor", explica Cintra.

O PMDB é o partido que mais se encaixa nessa análise. Em 2002, a legenda indicou a deputada Rita Camata (ES) como vice na chapa de José Serra (PSDB-SP). Três anos após a derrota, aderiu ao governo Lula e não saiu mais.

Atualmente, o Brasil tem 27 partidos em atividade. Oito deles administram os 24 ministérios. O PT comanda dez pastas, o PMDB, seis, enquanto PV, PCdoB, PDT, PR, PP e PSB, uma cada. Apenas dois ministros não têm vinculação política – Miguel Jorge (Desenvolvi­­­mento) e Luiz Barreto Filho (Turismo).

De acordo com estudo desenvolvido pelo cientista político Octavio Amorim Neto, cientista po­­lítico e professor da Fundação Getulio Vargas, todos os governos formados desde a posse de José Sarney (PMDB), em 2005, seguem a mesma linha. Lula, porém, foi o presidente que mais partidos agrupou no primeiro escalão do governo – nove, durante a quinta reforma ministerial, em 2005. Na definição dele, a gestão petista formou o mais fragmentado ministério da história do presidencialismo latino-americano.

O cientista político Lúcio Ren­­­nó, da Universidade de Brasília, diverge da maioria das críticas e afirma que a distribuição de espaços é um dos motivos para o sucesso do atual momento da administração Lula. "O primeiro mandato dele foi caótico e desaguou no mensalão justamente porque ficou concentrado nas mãos do PT. Quando ele equilibrou os espaços, o governo deslanchou."

Equívoco

Rennó destaca, porém, que há equívocos na formação da coalizão, que ficaram claros na declaração de Lula. "Fazer negociação com quem quer que seja por puro pragmatismo. É necessário haver um mínimo de identificação programática, não digo nem ideológica porque isso é muito difícil no Brasil. Quando junta-se partidos que não acreditam nas mesmas coisas o acordo sai muito mais caro do que deveria."

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