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Avesso à exposição, o procurador Marco Antônio Teixeira, do Ministério Público (MP), aceitou dar entrevista à Gazeta do Povo apenas por um motivo: o interesse público na regularização dos medicamentos excepcionais em falta nos centros de distribuição no Paraná. Ele não quis ser fotografado e fez questão de deixar claro que as próximas linhas não refletem um embate político com órgãos públicos. "É uma questão de de-fender o direito das pessoas mesmo. E se quem está a lesar esse direito é um órgão público, evidente que a contenda será com ele", afirma.

Teixeira coordena há oito anos o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde do estado. O serviço surgiu em 1997 e foi o primeiro do Brasil com autonomia para tratar questões de saúde. "É um traço inovador, que se compromete com as questões da saúde", diz o procurador que, desde abril, cobra informações do governo do estado sobre o desabastecimento de medicamentos. O MP também ajuizou três ações civis públicas pelos pacientes lesados. Confira trechos da entrevista.

Nos oito anos à frente do centro de apoio das promotorias da saúde, o senhor já tinha observado falta de medicamentos como esta que ocorre no Paraná?

O fornecimento de medicamentos nunca foi 100% adequado às necessidades dos usuários. Sempre, em algum momento, houve desabastecimento de medicamentos. Em algumas épocas, deficiências de planejamento como problemas de licitação e ausência de determinadas drogas, que sabidamente são necessárias. Em saúde você pode fazer planejamento porque 95% do que vai acontecer é previsível. Situações como essa, esporadicamente, tendem a agravar um quadro que sempre foi irregular. Infelizmente, o que surge é o momento em que o sistema não dá conta da demanda. O sistema como um todo tem indicadores bastante importantes a atender à população que acorre ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas em alguns momentos a falta de medicamentos ocorre sim.

É o que acontece hoje?

Hoje, o que nos dão conta os meios de comunicação é que, de fato, está havendo um desabastecimento significativo na área de medicamento excepcional, que é o de alto custo, que incumbe ao Estado entregar à população usuária do SUS. O medicamento é comprado com o dinheiro do estado e da própria União. O MP já fez dois ofícios e vai reprisá-los porque até agora não tivemos reposta, um endereçado ao secretário da Saúde e outro ao governo do estado, para que dê esclarecimentos sobre o que afinal está acontecendo. Estamos atuando nas demandas que surgem, mas é uma situação paliativa. Temos que saber do estado afinal de contas o que houve para que esse modelo fosse alterado.

Modelo alterado pelo Decreto (284/2007) do governador Roberto Requião?

Pelo decreto, o governador atribui para si a aquisição de medicamentos. Isso sai do âmbito da Secretaria da Saúde e passa à governadoria. Um modelo como esse não existe precedente em qualquer estado do Brasil. Portanto, estamos no aguardo, ansiosos, que o estado possa nos indicar o que está ocorrendo para você ter um quadro completo da situação: quais são os medicamentos em falta, o que deu origem ao decreto, por que ele surge. Dar ao público estas informações é um dever que o Estado tem de cumprir, ou seja, está na Constituição, artigo 37, um dos deveres da administração é dar publicidade.

Esta centralização não tem precedente em nenhum outro estado?

Do governo assumir diretamente fora do órgão da saúde a aquisição de medicamentos, é um fato para mim inusitado. Isso deve estar acontecendo por razões que se desejaria saber, que foram os objetos dos ofícios. Se não houver resposta, vamos insistir para que sejam respondidos.

Não foi revelado o motivo do decreto?

O que levou ao desabastecimento, o que levou à emissão deste decreto, não se sabe exatamente. Há algumas declarações vagas de que houve um determinado problema de licitação, mas nada de muito concreto que explique realmente o que está ocorrendo.

Teria alguns indícios?

Não tenho indícios concretos que me esclareçam o porquê desta mudança. Mas quero saber para ter uma postura. Não tenho foco, nem elementos.

Foi o decreto a causa da falta de medicamentos? Qual a relação?

Não é possível estabelecer ainda esta relação. Talvez o que gerou o decreto nos explique um pouco a ocorrência deste desabastecimento, mas isso é uma especulação. Enquanto não houver respostas claras e objetivas do estado, vai ser bem difícil ter um diagnóstico total da situação. Você fica atacando focos de doentes que se insurgem. Há uma grande massa de pessoas que não são organizadas em associações que têm o poder de pressionar politicamente. As pessoas muito mais pobres, simples, não tenho idéia como estão. Por isso é importante uma dimensão dita pelo gestor da Saúde, que tem o tamanho total do quadro.

Como está a compra de medicamentos?

Houve notícia nos jornais de que o governo do estado aportaria algo em torno de R$ 18 milhões na área de medicamentos. Um dado importante, mas é necessário que se diga que medicamentos vão comprar esses R$ 18 milhões, quais usuários vão ser atendidos e onde. Também não foi dito se esse dinheiro já entrou no caixa do Fundo Estadual da Saúde. Foi dito "vai aportar", "vai financiar", "vai entregar". Vai quando?

Quantas ações civis públicas foram ajuizadas pelo MP?

A partir de abril, ingressamos com três ações civis públicas. Uma diz respeito a 32 doenças que têm uma série de medicamentos. Multiplicar essas 32 pelo número de medicamentos necessários para cada uma vai dar mais de uma centena. A segunda ação também é importante porque visa a compelir o governo do estado a indenizar a população pelos danos recorrentes da falta de medicação. Tem gente que não foi à aula, que teve problema no emprego, que comprou o medicamento do bolso porque o estado não dava e há o prejuízo moral da turbação psicológica que a situação causa nessas pessoas. A terceira ação é um medicamento específico para um grupo de doentes.

Há outras ações?

Bem, por que o MP não busca um ajustamento com o estado? O ajustamento é uma composição através de um documento chamado de Termo de Ajuste de Conduta em que as partes estabelecem o que Estado deve cumprir, prazos, etc. São documentos mais simples de serem feitos e mais rápidos, que o estado tem se recusado e optado pela via judicial. Essa é a razão de termos tantas ações em juízo. Isso demonstra que não tem havido receptividade de diálogo com o MP. Houve no passado e recentemente parece que, por orientação não sei de quem, o que demandar em matéria de saúde pelo estado terá de ir ao Ju-diciário.

Quando foi essa mudança?

A partir de 2004 não há mais a disposição de estabelecer essas composições. O ajustamento poderia ser mais benéfico. O Termo de Ajuste de Conduta é importante, mas a gente também não pode impor, se a outra parte se recusa.

O senhor concorda com a visão da Secretaria de Estado da Saúde de que "não há uma generalização da falta de remédios excepcionais", mas a falta episódica de alguns medicamentos?

É uma declaração genérica. Dentro do que foi dito talvez fosse preciso esclarecer melhor quais são os medicamentos que estão faltando efetivamente. Esse tipo de declaração genérica não esclarece muito o que se deve saber. A sociedade espera informações a esse respeito.

Um dos motivos alegados pela Secretaria Estadual da Administração na centralização é o controle das compras de medicamentos determinados judicialmente. Nos últimos cinco anos, os gastos da Secretaria da Saúde para cumprir os mandados judiciais saltaram de R$ 240 mil, em 2002, para R$ 12,4 milhões, no ano passado.

A Emenda 29 determina que no orçamento do estado existam recursos na altura de 12% que devem ser alocados para questões da saúde. E no Paraná não são alocados desde 2000. Isso já vem de anos e passa por mais de um governo. Hoje, a soma do débito que o MP cobra do estado é da ordem de R$1,4 bilhão, da diferença do que ele aplicou e o mínimo que deveria ter aplicado de 2000 até 2004. Quando o estado sequer cumpre o mínimo que a Constituição impõe, não pode esse mesmo estado ser aquele que fica reclamando porque acha que está "gastando" muito com medicamentos.Marco Antônio Teixeira, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde do Paraná.

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