Entrevista Marco Aurélio Mello, ministro do STF.
Famoso por suas opiniões contrárias às da maioria de seus colegas do Supremo Tribunal Federal (STF) não raro ele faz questão de lavrar solitários votos-vencidos , o ministro Marco Aurélio Mello tem traços de um workaholic. Já chega falando de casos em que está trabalhando e da luta para julgar a enorme cota de processos que lhe cabe. "A carga é desumana. Não me considero um juiz, mas um estivador", afirma. Uma de suas recentes batalhas solitárias, aliás, é para que alguns de seus colegas não se atrasem para as sessões. "As sessões têm começado com muito atraso. Venho preconizando, inclusive, que só ocorra o encerramento da sessão quando a pauta estiver encerrada", explica.
Mello esteve em Curitiba na última sexta-feira para a reunião da comissão julgadora, da qual é presidente, do Prêmio Francisco Cunha Pereira Filho premiação criada pelo Instituto dos Advogados do Paraná (IAP), em homenagem ao ex-diretor-presidente da Rede Paranaense de Comunicação (RPC) e da Gazeta do Povo, falecido em março deste ano. E foi sobre o tema do prêmio, a Liberdade de Expressão no Estado Democrático de Direito, que o ministro mais falou em entrevista exclusiva. "Além da homenagem a um homem que marcou como jornalista e advogado, esse prêmio é importantíssimo para firmar que a liberdade de expressão é inerente ao Estado de Direito Democrático", destacou Mello.
Qual é a importância da temática escolhida para o primeiro Prêmio Francisco Cunha Pereira Filho: a liberdade de expressão?
Nós precisamos dar ênfase maior ao papel da comunicação, que é imprescindível para chegarmos a dias melhores. Considerando-se os interesses da sociedade, a imprensa surge com uma valia enorme. Como dizia Rui Barbosa, a imprensa são os olhos da nação. É graças à imprensa que as mazelas, as práticas indesejáveis vêm à tona. Por isso esse prêmio é importantíssimo, para firmar que a liberdade expressão é inerente ao Estado de Direito Democrático. Sem liberdade de expressão não se pode falar em democracia.
Mesmo tão importante ao estado democrático, a liberdade de expressão não é absoluta. Quais são seus limites?
Não temos uma hierarquia, considerados os preceitos constitucionais. Mas a Constituição está direcionada a não se ter empecilho à liberdade de expressão. É preceito legal: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação". Pode ocorrer abuso, sim, como em todas as áreas. Mas, quando há o abuso, a própria Constituição informa as formas de mitigar esse abuso, com os devidos processos civil, para reparação, e penal, por injúria, difamação ou calúnia.
Os limites à liberdade de informação jornalística, como os direitos da personalidade (imagem, honra, privacidade) são relativizados quando a pessoa envolvida é pública, correto?
Sim. Em havendo o envolvimento na reportagem, nos fatos veiculados, de homem público, só podemos chegar à responsabilidade do veículo de comunicação ou do jornalista se a vítima provar que o veículo ou o jornalista sabia que os fatos publicados eram inverídicos. Não é o que acontece com o cidadão comum: como esse não deve contas como o cidadão público, basta ele comprovar o dano (causado pela publicação da notícia). O homem público é um livro aberto, ele está na vitrine. Quem tem algo a esconder não deve optar por um cargo público. A privacidade do homem público é relativa. Ele está compelido a prestar contas aos cidadãos, aos contribuintes. Há pouco, me vi às voltas com uma situação cujo julgamento mostrará em que estágio da democracia nós estamos. Dei liminar a um jornal de São Paulo (Folha de S.Paulo), para que a Câmara abra os dados das verbas indenizatórias concedidas aos deputados federais. Por 42 dias a Câmara driblou a liminar. O Tribunal acabou cassando a liminar, por conta de um defeito de forma. Estou apressando o aparelhamento do processo para que ele vá à bancada e julguemos o mérito. Em fevereiro, a Folha tentou ter acesso aos dados. Em abril, passaram a inserir no site da Câmara os gastos com verbas indenizatórias dos parlamentares. Mas os dados do período anterior eles não querem revelar. Isso é sugestivo: só se esconde o que não pode vir à luz democrática. Estamos numa fase de perda de parâmetros, abandono de princípios, de inversão de valores. Isso não é bom. Não se avança culturalmente assim, mas observando as regras estabelecidas.
E o que falar do segredo de Justiça?
O segredo de Justiça é um problema sério. Ele existe em certas áreas. Mas nós precisamos conceber que quando o dado acobertado pelo sigilo chega à imprensa sem ela ter ido buscá-lo, ela tem o dever de informar. Não prevalece mais o sigilo, pois esse já foi quebrado. É preciso ver quem foi o responsável pela quebra, mas não se pode responsabilizar o jornal, mesmo porque o jornalista não tem tempo para pesquisar se há sigilo, se não há sigilo, se foi aberto ou não. Por que a Constituição revela que no exercício profissional não se tem o dever de indicar a fonte? Para preservar a liberdade imprensa. Precisamos mudar essa ótica de potencializar o individual, que está na preservação do sigilo, do privado, em detrimento do público. No conflito entre o individual e o coletivo há de prevalecer sempre o coletivo.
Ainda que indiretamente, estamos falando do caso da recente censura judicial ao jornal O Estado de São Paulo (pedida pela família Sarney)...
Pois é. Não estou aqui antecipando meu voto (é provável que o caso do Estadão chegue ao STF) nem criticando nenhum colega. Mas eu não concebo censura partindo do Judiciário. Não concebo a censura nem por via administrativa, muito menos a concebo vinda de um órgão que tem de ser equidistante, que deve guardar as normas constitucionais. Para mim é inconcebível. Nesse caso, chegou ao jornal. O jornal não quebrou o sigilo. Alguém quebrou o sigilo e passou as informações. Chegando ao jornal, ele não é guarda do sigilo, não é órgão protetor do sigilo. Ao contrário, o jornal tem o dever público de informar.
O senhor foi o único ministro que votou pela manutenção da Lei de Imprensa, que caiu no STF em abril. Esses casos recentes de restrições à liberdade de informação jornalística têm alguma relação com o fim da Lei de Imprensa?
Não, porque continuamos tendo a Constituição Federal. A Constituição está no ápice da pirâmide das normas jurídicas. Votei contra o fim da Lei de Imprensa porque não posso conceber que, passados 40 anos da vigência de uma lei, 20 dos quais sob a proteção da Constituição Cidadã, de repente se descubra que a lei é inconstitucional. A Lei de Imprensa já estava depurada pelo Judiciário, que já havia afastado os preceitos conflitantes com a Constituição.
E ficaram vácuos jurídicos...
Sim. Hoje não temos balizas para o direito de resposta, que é constitucional. Agora, como isso vai ocorrer? Vamos ter avaliação de cabeça para cabeça, conforme o juiz? Isso gera insegurança. A sociedade não pode viver à base de solavancos, de surpresas.
Mudando de assunto, o senhor já está com o voto do caso de extradição do Cesare Battisti pronto?
Não. Recebi nesta semana o material. Estava dependendo de notas taquigráficas, de pesquisas da assessoria, mas vou trabalhar nisso a partir deste fim de semana. Minha ideia é me declarar habilitado a proferir voto a partir da sessão do dia 28 deste mês. Quero abrir o embrulho para ver o que tem dentro. Eu não me contentei em votar simplesmente de ouvido. Porque quem tem vista do processo é o relator. Não temos como estudar os processos de colegas. Mas esse caso é muito complexo.
No dia 28, o novo ministro, José Antonio Dias Toffoli, já vai estar empossado e poderá votar, correto?
No dia 23 ele toma posse e estará compondo o colegiado. Segundo o regimento, poderemos ter ou não a participação dele, ocupante da última cadeira. Ele é que vai dizer se está habilitado ou não a votar. Impedido ele não está, porque não atuou no processo (como advogado-geral da União, cargo que ocupava no governo federal). A sustentação oral, na tribuna, em defesa do ato do ministro da Justiça (Tarso Genro), do refúgio, foi realizada por uma advogada da União.
Mas a participação dele pode alterar o resultado do julgamento. Se o senhor entregasse o voto antes...
O ideal seria que o tribunal não funcionasse dividido em turmas, mas sempre com os 11 ministro. É bom esclarecer: tenho 31 anos de magistratura e jamais manobrei votação. Não estou segurando processos. A carga é desumana. Não me considero um juiz, mas um estivador. E faço meu trabalho com o mesmo encantamento como se estivesse no meu primeiro dia de magistratura, com muita preocupação com o jurisdicionado. Mas eu só recebi os elementos nesta semana. Vamos aguardar. E que prevaleça o bom direito.
Serviço: Informações sobre o Prêmio Francisco Cunha Pereira Filho no site www.iappr.com.br.
-
Censura clandestina praticada pelo TSE, se confirmada, é motivo para impeachment
-
“Ações censórias e abusivas da Suprema Corte devem chegar ao conhecimento da sociedade”, defendem especialistas
-
“Para Lula, indígena só serve se estiver segregado e isolado”, dispara deputada Silvia Waiãpi
-
Comandante do Exército pede fé nos princípios democráticos e na solidariedade do povo
Deixe sua opinião