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Trajando um vestido preto com rendas e ostentando uma toalha na cabeça como se fosse um turbante, o agenciador Zé Gay dá o tom da festa. Na noite do debut de Cássia ele estava cansado, mas excepcionalmente feliz. Durante toda a tarde fora acompanhado em sua boate por uma dupla de norte-americanos – pai e filho – que gastou "os tubos" em cerveja. Em poucas horas, faturou para a semana toda. Melhorou ainda mais quando clientes bancaram o bolo da aniversariante.

Cássia, aliás, não foi a primeira debutante do Encanto dos Mistérios, e provavelmente não será a última. Zé Gay, o dono, é muito conhecido e prestigiado no submundo da prostituição em Tabatinga. Goza da proteção de políticos e policiais, com o único compromisso de preservar a identidade de quem o sustenta. Esse apadrinhamento lhe confere uma espécie de salvo-conduto para iniciar meninas cada vez mais cedo nos negócios do sexo. Zé Gay sabe do poder que tem, e faz bom uso dele.

De dia ou à noite, dependendo da vontade da clientela, basta um toque no celular de alguma adolescente para tirá-la da sala de aula. "A necessidade do cliente não tem hora", justifica. Na noite da festa de aniversário da colega Cássia, outra garota, Ana, de 16 anos, foi tirada às pressas do colégio para atender um cliente brasileiro. Em dias normais, a maioria é de colombianos.

Em Tabatinga não há cinema nem praça, nem qualquer outra área de lazer. A diversão ocorre à noite, nos barzinhos e boates. Zé Gay percebeu essa carência e tem se dado bem. O que importa para ele é ter meninas disponíveis, e isso parece não faltar. Para ali migram jovens de localidades vizinhas como Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá e Santo Antônio do Içá, atraídas pelo dinheiro vindo de Letícia, cidade-gêmea de Tabatinga.

Mas Zé Gay já teve seus contratempos. A quem dá atenção, faz questão de mostrar as marcas de agressões sofridas. Cicatrizes tomam conta do pescoço, dos braços e pernas, resultado do tempo em que trabalhou na prostituição em Manaus. Sua condição e o seu jeito de trabalhar na noite fronteiriça revela muito desse lugar atípico, forjado por um conjunto de práticas sujeitas aos efeitos da proximidade com Letícia, cidade colombiana usada pelos cartéis de Cali e Medelín para despejar cocaína no Brasil via rio Amazonas. Só em Tabatinga existem 100 pontos de venda de drogas, conforme apontamentos da Polícia Federal.

Mas não é só isso que faz desta uma região singular. Tefé, a cidade mais próxima, fica a 800 quilômetros e dois dias de barco pelo rio Amazonas; Manaus, a 1.700 quilômetros e quatro dias de viagem. A falta de meios da região agrava problemas típicos das fronteiras e gera absurdos: A cidade tem uma frota de mil carros e 8 mil motocicletas, mas nenhum posto de combustível. A gasolina que move isso tudo vem de contrabando da Colômbia. A necessidade de trazer mercadorias do país vizinho gera nas autoridades uma atitude de tolerância ao pequeno contrabando, que acaba por encobrir crimes mais graves, como o tráfico de drogas e de pessoas.

E isso quando as autoridades estão presentes: em Tabatinga, por exemplo, não há escritório do Detran. No trânsito, como em quase tudo nas fronteiras sem lei desta Amazônia ilegal, cada um faz o que quer.

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